domingo, 1 de setembro de 2013

ERA UMA VEZ...






ERA UMA VEZ um reizinho (não que fosse pequeno, mas porque era muito novo de idade) que, com medo de que lhe roubassem seus tesouros, mandou cercar seu castelo com enormes muralhas, colocando frente a elas fortes e armados soldados para impedir qualquer acesso. Não satisfeito, construiu também largos fossos e habitou-os de jacarés e crocodilos. Colocou grades em todas as janelas, acorrentou com robustos cadeados as portas, e ordenou que pusessem arames farpados por todos os lados. Ainda não satisfeito determinou que se assentassem canhões de longo alcance no alto das torres do seu castelo. Depois, então, de tudo pronto, sentiu-se protegido e seguro contra qualquer perigo que lhe viesse de fora. Assim, passaram-se os anos e o reizinho foi ficando mais velho. Certo dia,
olhando por detrás de suas janelas gradeadas a praça que havia fora do castelo, observou as pessoas, crianças e adultos, passeando e brincando, aproveitando o agradável sol do final de tarde de verão. Neste instante, o reizinho se deu conta que as mesmas muralhas, grades, fossos, correntes e cadeados que lhe protegiam, eram na verdade o que lhe prendiam. 

     Faz tempo que criei esta pequena historinha. Vez em quando me recordo dela, principalmente quando estou cá a pensar sobre nossos medos imaginários e nossas fantasias de um mundo externo absolutamente hostil, nocivo, agressivo e perigoso. Quanto mais tememos nossos exteriores – o além de nós – mais arriscado parece sair da “toca”. E corremos o risco de nos fechar como caramujos em suas conchas. Acaso, desde cedo, nossas primeiras experiências e impressões do mundo forem adversas e insuportáveis, bem como tivermos o azar de não encontrar em nossos cuidadores primários conforto e apoio suficientes, provavelmente edificaremos nossas personalidades em bases inseguras, e a sensação do mundo que nos cerca é a de que ele não é confiável, é mau, ingrato e nos provoca angústia, ansiedade e sofrimento. Continuaremos nossos primeiros e iniciantes passos pelo mundo afora com receio, medo e desconfiança. 
                Pessoas que assim se desenvolvem, desenvolvem uma “personalidade inibida”, isto é, tolhidas na expressividade de seu self autêntico e do seu eu criador que possuem dentro de si. Evidente que uma personalidade inibida tem muita dificuldade de externalizar seu verdadeiro ser. É como se seu verdadeiro eu estivesse aprisionado, cujas grades são o medo e a vergonha de expressar quem verdadeiramente são. Melhor diria, de por em prática e expor todo seu potencial inibido.

 A inibição, sabemos, nos remete a restrições. Uma pessoa inibida, muitas vezes intimidada pela própria timidez exagerada ou medo, apresenta-se insegura, acanhada, retraída, esquiva, encaramujada, desconfiada, introvertida, arredia e até mesmo com exagerados sentimentos de culpa ou hostilidade. Tudo isto as levam a ter dificuldades de convivência real, no sentido de poderem expressar com liberdade o si mesmo para os outros. Poder, sem temor, doar a si próprio a alguém.

              
 Fairbairn, psiquiatra e psicanalista escocês, entendia que são pessoas que no início da vida sofreram privações afetivas e, por isso, desenvolveram um senso de inferioridade. São indivíduos que parecem proibidos de amar e de serem amados, mantendo seus objetos libidinais à distância. Não que não tentem algum envolvimento íntimo com o mundo externo, mas a ansiedade (de caráter persecutório) os faz se retraírem regressivamente para o refúgio seguro de seu mundo interno. Imobilizados, pois, pela ansiedade de se machucar afetivamente, escodem-se por detrás de uma couraça psicológica. Se pudessem seriam invisíveis.
      Vejamos um exemplo, que no vídeo abaixo se descreve como Personalidade Esquiva:


   Pessoas cujas personalidades se organizam de maneira paranoide, esquiva ou esquizoide, por exemplo, são de fundo “PERSONALIDADES INSEGURAS DE SI”, isto é, afora verem o mundo como hostil e perigoso, sentem-se frágeis e vulneráveis, com fantasias de que, devido a sua debilidade interna, podem ser manipuladas, rejeitadas, magoadas ou feridas pelos outros. Trazem fortes sentimentos de inadequação e baixa autoestima, bem como podem apresentar preocupações, dúvidas, suspeitas infundadas acerca da confiabilidade em relação as demais pessoas.
   Sabemos que a premissa ou base de nossa personalidade é a autoestima. É sobre ela que edificamos a pessoa que somos. Muitas vezes uma pessoa hipervigilante e com abstração seletiva tende a procurar em suas experiências ocorrências ou fatos que corroborem com a leitura que se tem de si mesma, robustecendo, assim, sua autoestima negativa e/ou baixa.


        
      No estudo da psicologia da autoimagem Prescott Lecky considera a personalidade um “sistema de ideias”. No centro desse “sistema de ideias” se acha o Ego Ideal do indivíduo, pedra angular da autoimagem e autoestima. Um Ego Ideal (inconsciente) bastante elevado ou grandioso, opera no fundo do sistema psíquico de maneira severa e superegóica. É como se a mente do sujeito, internamente, cobrasse de si mesma uma perfeição incomensurada que o EGO propriamente dito não consegue corresponder. E neste duelo intrasubjetivo de opressão velada, a pessoa sofre e se autodesvaloriza ou hiperdimensiona o mundo e seus possíveis perigos e ameaças. 
Quando a autoimagem está intacta e segura a pessoa se encontra autoconfiante e pode, assim, melhor explorar o mundo externo, e enfrentar o que tiver que ser enfrentado (coping). Quando a autoimagem se acha ameaçada, a pessoa fica ansiosa, receosa e insegura. A autoconfiança proporciona ao sujeito que ele seja livre para ser ele mesmo, expressando-se com mais autenticidade. Quando a autoconfiança é debilitada o sujeito se sente motivo de vergonha e medo, e tenta se ocultar por detrás de muralhas psicossociais, onde sua expressividade autêntica, seu verdadeiro self, fica bloqueado. A convivência genuína fica árdua e difícil. 
            Trancadas, por detrás das armaduras habita alguém solitário e carente de afetos. Comportamentos retraídos e excessivamente preocupados e defensivos provocam elevação do nível de ansiedade, o que fisioquimicamente hiperativa a glândula suprarrenal aumentando, por sua vez, o nível de cortisol no sangue.

         A conduta defensiva é advinda de um mecanismo psicológico de defesa, afinal quando um indivíduo se sente ameaçado ele tende a agir na defensiva, seja fugindo, seja atacando, seja se fingindo de morto. Este mecanismo evolutivo de defesa se faz presente frente aos perigos reais, mas também frente aos perigos imaginários. A grande maioria dos comportamentos defensivos está guardada inconscientemente em nós desde a infância, razão pela qual pode ser inadequada a uma situação real adulta presente. 

        E pensar que muitas vezes tudo pode ter começado porque uma criança chorou ou riu e ninguém viu...

Joaquim Cesário de Mello





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