Ah,
a beleza! Como dizia Vinicius de Moraes “as
feias que me perdoem, mas beleza é fundamental”. E o que é beleza?, pode-se
perguntar alguém para logo responder que é uma questão subjetiva e conceitual. É
verdade, afinal a ideia de beleza muda de lugar para lugar, de época para época
e de pessoa para pessoa. Em seu oposto, Umberto Eco publicou seu monumental livro
sobre a História da Feiura.
Deixando
de lado tal discussão e suas filigranas, beleza é uma experiência psíquica que
está relacionada à percepção e aos valores. A beleza – ou a ideia que temos
dela e o valor que damos a ela – tem seus efeitos na representação que fazemos
de nós mesmos, afinal a representação que a pessoa faz de si é o que lhe dá
identidade, autoestima e autoconfiança.
O
Self humano sofre implicações provenientes do meio externo e de suas pressões. Não é difícil vermos isto na intensificação do culto ao corpo e da imagem que
sofremos diuturnamente através da mídia e dos padrões de beleza por ela
ditados. Vivemos tempos onde a aparência parece predominar. Guy Debord escreveu
já em 1967 seu mais aclamado livro A Sociedade do Espetáculo, onde destaca o autor
ser a sociedade contemporânea uma sociedade e uma cultura espetaculistas. E em
um cenário de valorizações narcisistas como o atual, a beleza passa a ser um
valor social estimado que muito pode determinar o sucesso ou o fracasso do
individuo.
Se
o corpo fala, como já escreveu Pierre Weil lá pelos meados dos anos 80, então o
corpo é um grande comunicador do que se passa em nosso mundo interno,
principalmente nos grotões obscuros da alma humana. Podemos até afirmar a
existência de, no mínimo, dois corpos: o corpo físico e o corpo psicológico. O corpo
psicológico compõe a fantasia humana sobre si e seus ideais. Muitas vezes os
dois corpos são incompatíveis, isto é, seja porque o indivíduo se vê gordo, enquanto
o espelho lhe mostra magro (anorexia), seja porque o desejo do corpo idealizado
não corresponde a realidade do corpo físico, por exemplo.
Ah,
esse “admirável mundo novo”! Nunca dantes se viu uma procura tão grande (diria
excessiva) por cirurgias plásticas como atualmente. Não apenas pelos avanços da
cirurgia plástica em si, mas muito também por vaidades exacerbadas e por
mascaradas psicodinâmicas patológicas da alma humana. Busca-se cada vez mais
uma estética não natural, talvez revelações da não aceitação de si mesmo por
detrás do corpo natural. Nossas morfologias não são suficientes e “tudo vale a
pena quando a alma não é pequena” (embora esteja aqui me valendo de Fernando
Pessoa para outros fins ou outros ângulos). É, a perfeição virou sinônimo de
necessidade. Porém, pode ser que tudo do que estou pensando seja nada, e que
este novíssimo texto que escrevo já tenha nascido datado. Vai ver que sou um
cara careta, um verdadeiro jurássico. Pode ser que esteja eu, cá aqui com meus
botões, sonhando sonhos de décadas passadas, e que esteja vendo neuroses e
psicopatologias arcaicas em situações reconhecidamente saudáveis nos dias que
hoje se seguem. Vai ver que no fundo é o danado do meu complexo de Édipo mal
resolvido querendo me levar para culturas e épocas que já não existem mais. Vai
ver... Mas que o negócio tá parecendo coisa de doido, lá isso tá.
A
dismorfobia, também conhecida como Transtorno Dismórfico Corporal (F45.2 do
CID-10) é caracterizada como uma preocupação exagerada com defeitos na
aparência, seja tal defeito ou defeitos pequenas anomalias físicas, sejam
defeitos imaginários. Qualquer parte do corpo pode ser motivo de preocupação
disfóbica, tais como os olhos, cabelos, nariz, queixo, seios, genitais, pernas,
etc. A dismorfobia trata-se de um transtorno da percepção ou valorização
corporal ou, em outras palavras, uma síndrome da distorção da autoimagem.
Sabe
aquela velha historinha infantil do Patinho Feio? Pois é, em sua feiura
imaginária é como se o sujeito estivesse o tempo inteiro se dizendo: “o patinho feio c’est moi.”. Ou alguém
tem alguma dúvida que por detrás de toda patologia funcional não se encontra uma
baixo autoestima?
E
em meio tantas clínicas estéticas, tantos anabolizantes e tantas cirurgias
plásticas o corpo da pessoa vai se tornando – como bem diz Le Breton – um “corpo
rascunho”, aquele que é esculpido e desculpido pela indústria da saúde(?) e que
é modelado e remodelado pelo seu “proprietário”, sempre em busca de um modelo
ideal que é exatamente o contrário do que se é realmente.
O
“espelho, espelho meu” da história da Branca de Neve não está aqui a se
perguntar se há alguém mais bela ou mais belo do que eu; mas sim a se indagar
sofridamente se há alguém mais feio do que eu. E de soslaio vê no espelho do
vizinho a beleza idealizada, enquanto no seu espelho só enxerga a feiura
imaginária.
Joaquim Cesário de Mello
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