domingo, 31 de março de 2013

A PROSA DOS PESQUISADORES


Uma das coisas que mais me chama atenção quando leio alguns textos de teóricos  do passado  - e quando falo do passado, não me refiro  há 10 ou 15 anos, mas há mais de meio século, ou que sabe há 200 anos - é a qualidade da escrita.  Há nesses textos um elemento que muitas vezes, quem escreve hoje não tem tanta preocupação: a necessidade de fazer um texto agradável ou atraente. Na verdade, o que se assiste hoje no meio acadêmico é uma necessidade de um texto “enxuto”, emagrecido – anoréxico – , uma espécie de minimalismo intelectual, travados por dezenas de citações textuais de outros autores. Muitas vezes, o pesquisador é um profissional da compilação ou, como dizem os alunos mais jovens, são organizadores de Ctrl C + Crtl V. O autores que copiaram e colaram, por sua vez, estão citando alguém, que aludiu algum outro autor (“apud”) . O somatório disso tudo é que muitos textos acadêmicos, em razão desse mosaico, dessa colcha de retalhos, terminam por ficarem chatos e redundantes e, certamente, poucos terão acesso por desinteresse – e se tiverem, vão como que teleguiados a visitarem uma determinada página, procurando uma frase ou no máximo um parágrafo, copiam e colam no seu trabalho de pesquisa (Crtl C + Ctrl V) . O resultado disso: um amontoado de papéis inúteis acumulados real ou virtualmente nos espaços universitários.

Tenho certeza de que textos como os de Freud, Nietzsche, Darwin, Maquiavel, Montaigne, entre outros, dificilmente iriam passar pelo crivo da burocracia acadêmica. Seriam julgados como pouco objetivos, extensos, excessivos, sem padronização, com os objetivos esgarçados, criptografados ou diluídos. As figuras de linguagem seriam criticadas – “para quê metáforas? elipses? para quê ironias, hipérboles, paradoxos?” – assim como a falta de citações adequadas.  

Com todo esse engessamento supervisionado, os textos ficaram claros, tão claros, quanto insossos. Sou partidário da idéia de que o texto, seja ele qual for, tem que convidar o seu leitor a se entreter com ele – há sempre algo sedutor - e não fazê-lo entediado como se estivesse - e muitas vezes estão – perdendo tempo.  Há quem julgue que muitos textos antigos poderiam ser reduzidos a um artigo e, desse modo, teriam tido maior alcance de público. Certo? Errado.  Utilizo-me da metáfora de Marcel Proust de que sua literatura, seu texto, é um tapete bem mais extenso que as pequenas moradias da França de sua época.  Nenhum desses textos dos autores clássicos é excessivo e se assim parecem, talvez o próprio escritor quisesse propositalmente construí-lo.  Se Euclides da Cunha escreveu “Os Sertões” com todos os seus excessos, poderíamos pensar que algum texto “enxuto” da época, escrito por outro autor, tenha dito algo semelhante, mas, se disse, perdeu-se. Perdeu-se porque não tinha a mesma estética ou a mesma beleza d”Os Sertões”. Ilusão pensar que só o conteúdo científico, inovador, revelador é o que interessa no texto acadêmico. Eles são de fato o objetivo, mas o que faz alguém  reconhecê-los como tal, é a maneira de   como são construídos. São construídos com uma escrita em prosa, as vezes poéticas (porque não?) que faz com que temas tão densos tenha minimante algo de agradável. Se folhearmos as primeiras páginas: de Mal-estar na Civilização, de Freud, A Origem das Espécies, de Darwin, Os ensaios, de Montaigne, O Príncipe, de Maquiavel, somo meio que convidados a seguirmos adiante. Isso fez com que muitas obras cientificas ficassem consagradas não apenas pelo seu conteúdo inovador como sua estética literária. Muitos autores na ocasião obtiveram prêmios de literatura.


Marcos Creder

Um comentário:

rotina criativa disse...

Penso tanto nisso, principalmente nesse ano. Que é o último da faculdade e lá vem o TCE.