sábado, 9 de março de 2013

A SUBLIME SABEDORIA DAS ALMAS SIMPLES



    



            O Iluminismo, o Renascimento e a Modernidade, parecem ter fundado o homem mais sapiens até então criado. É como se acreditássemos que antes só houvesse barbárie, excluindo ocidentalmente o período da Antiguidade Clássica Grega. A Hipermodernidade, então, nos tornou seres tecnológicos ou adoradores pagãos da tecnologia. Steve Jobs é o gênio da raça dos tempos que nos consumem.
                Sabedoria encontra-se associada à erudição, ciência, domínio tecnológico, habilidades retóricas, logicidade, poliglotismo e sofisticação estética. O mito de Prometeu faz menção de como o ser humano se sobrepõe aos demais seres viventes: Prometeu rouba o fogo dos deuses e lhe dá aos homens. Por tal ousadia e transgressão Prometeu é condenado a ser acorrentado no cume do monte Cáucaso onde diária e perpetuamente um corvo lhe comia o fígado que depois se regenerava para no outro dia mais uma vez ser dilacerado. Este mito, portanto, conta a história de como o ser humano herdou o poder de pensar: do fogo divino roubado.
                Ao longo de nossa jornada no mundo convencionamos dividir o pensar em comum e sábio, em popular e erudito, em vulgar e científico. Passamos a considerar que um sábio é aquele que tudo sabe e um ignorante é aquele que nada sabe. Todavia, a sabedoria socrática reside na premissa de que se é sábio aquele que sabe que nada sabe. Sócrates, assim, institui um “Elogio à Ignorância”, que Rousseau, em seu DISCURSO SOBRE AS CIÊNCIAS E AS ARTES chama de verdadeira sabedoria. Neste discurso Rousseau refere que o progresso da ciência e das artes em nada acrescentou à verdadeira felicidade humana. Diz: “Quanto a nós, homens vulgares, para quem os céus não repartiram tão grandes talentos, e a quem não destinam tanta glória, fiquemos na obscuridade. Não corramos atrás de uma reputação que nos escaparia e que, no estado presente das coisas, não nos daria nunca o que nos teria custado, ainda que tivéssemos todos os títulos para obtê-lo. De que serve procurar a nossa felicidade na opinião dos outros, se podemos encontrá-la em nós mesmos!”.
                Socraticamente tomar consciência de nossas própria ignorância é que nos torna verdadeiramente sábios. Ou como diz o poeta chinês Lao-Tsé “Quem conhece a sua ignorância revela a mais profunda sapiência. Quem ignora a sua ignorância vive na mais profunda ilusão”.  Eis, pois, o cerne da problemática: a ignorância pode ser benéfica? Sim, afinal  a etapa inicial e fundamental de qualquer processo do saber é a ignorância. É necessário nos sabermos ser ignorantes para se chegar algum conhecimento.  É a pergunta (sobre aquilo que ignoro) que nos leva a resposta (conhecer o que antes ignorava). E talvez a resposta mais sábia a uma pergunta seja uma nova pergunta. As incógnitas podem em princípio parecer um obstáculo ao conhecimento, porém são as incógnitas que nos orientam em busca das respostas mais profundas, além das aparências.
                Quando um cara se acha sabedor de determinada coisa ele geralmente deixa de olhar com mais atenção à coisa conhecida. Neste sentido O “eu sei” nos torna míopes ou até cegos frente ao que se sabe. Um “sábio” dessa forma e maneira é arrogante que despreza ou não consegue enxergar a própria ignorância. Ainda existem os opulentos do saber. Estes vivem “arrotando” conhecimento expressos em malabarismos linguísticos e barroquismos verborrágicos impregnados palavreados obscuros, herméticos e enigmáticos. Ou como já disse Galileu “falar de forma obscura todo mundo sabe, mas de forma clara pouquíssimos conseguem”.
            
    A verdadeira inteligência é aquela que, sabedora humilde de sua ignorância, se espanta frente à realidade, ao mundo e à vida, e se reconhece não-sabente e por isto indaga, questiona e busca querer saber o saber que não sabe. O filósofo renascentista Nicolau de Cusa afirma que “ninguém é mais sábio do que aquele que se reconhece como o mais ignorante dos homens”. Para Nicolau de Cusa não há doutrina maior que a sabedoria da ignorância, pois não há nada mais ciente da essência da verdade que a própria ignorância.
                E por que, então, queremos tanto nos saciar de respostas e no empanturrar de informações?
                É sabido que excesso de informação (dispersa, vaga, superficial, fragmentada) consome a atenção do indivíduo. Com o dispersar da atenção e excesso informativo, temos a diminuição da capacidade de reflexão e retenção na memória de longo prazo. É como se a memória humana estivesse sido trocada pela memória digital e virtual. Ou, como afirma o escritor e semiólogo Umberto Eco, tal excesso provoca amnésia.
                A tecnociência predomina. Palmas para ela e que bom para nós que temos hoje a nosso favor a tecnologia que nos facilita a vida e o viver. Mas a questão ainda é: estamos mais felizes ou menos felizes? O acúmulo de conhecimento tem nos proporcionado enriquecimento ou empobrecimento prático? Sei, de antemão, que as respostas vão depender de inúmeras variáveis e de pontos de vistas. Eu tenho cá os meus. Quais os seus?
                Para mim sabedoria, sabedoria mesmo, é aquela que nos oferece um olhar para além do imediato e das aparências. Vivemos no corre-corre do dia-a-dia contemporâneo dos grandes centro urbanos. Pouco observamos as paisagens. Pouco nos damos conta do que talvez importe de verdade: as pequenas coisas. Vivenciamos um ritmo tão acelerado que dificilmente a qualidade de nossas parcas existências são usufruídas em sua mais possível plenitude. Subaproveitamos os dias e a vida.
     
           Para mim sabedoria, sabedoria mesmo, é aquela que nos transforma, muda nossa relação com o mundo, com a realidade e com a própria vida. Não é necessário grandes tratados científicos e/ou filosóficos, nem textos herméticos e enrabuscadamente escritos. Basta encontrar em nós a simplicidade de se estar vivo.
                Encontro nos escritos do século XIX, de Henry Thoreau, palavras sábias que gostaria de serem minhas, entre elas: “simplicidade, simplicidade, simplicidade! Tenha dois ou três afazeres e não cem ou mil; em vez de um milhão, conte meia dúzia... No meio desse mar agitado da vida civilizada há tantas nuvens, tempestades, areias movediças e mil e um itens a considerar, que o ser humano tem que se orientar - se ele não afundar e definitivamente acabar não fazendo sua parte - por uma técnica simples de previsão, além de ser um grande calculista para ter sucesso. Simplifique, simplifique." Ou ainda: “somos vulgares, incultos e analfabetos; e, em relação a isso, confesso que não faço maiores distinções entre o analfabetismo de meus concidadãos que não aprenderam a ler e o que o que aprendeu a ler somente aquilo que se destinam às crianças e aos intelectos medíocres. Uma coisa é ser capaz de pintar um quadro especial, ou esculpir uma estátua, produzindo assim objetos de beleza; mas é muito mais glorioso esculpir e pintar a própria atmosfera e a maneira pela qual vemos o mundo. Influir na qualidade do dia – esta é a mais elevada das artes.”
                O filósofo André Comte-Sponville, em seu pequeno livro A FELICIDADE, DESESPERADAMENTE, pondera que talvez não exista felicidade. O que existe é alegria, contentamento e tranquilidade. Quando estamos alegres, contentes e tranquilos nos sentimos e nos dizemos que estamos felizes. Se assim for, quando consigo ser simples com as pessoas, com o mundo e comigo mesmo, quando consigo deixar aflorar a simplicidade de ser simplesmente eu, estou e sou feliz; embora aqui e acolá me perceba petulante, arrogante, especial e superior (resquícios inescapáveis do narcisismo humano). Nestes instantes não estou e nem sou um homem feliz.
                                Simples, assim.

Joaquim Cesário de Mello

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