domingo, 17 de março de 2013

Hans Selye e as Situações de Estresse


Escrevi recentemente em outro artigo aqui no LiteralMENTE sobre as várias palavras usadas na psiquiatria que foram paulatinamente banalizadas  no discurso do dia a dia: “meu marido tem uma  bipolaridade”, “a situação lá em casa está esquizofrênica”, “sou meio TOC”, “esse menino é hiperativo”, “comendo desse jeito, vou acabar pegando uma bulimia”,  “aquele cafajeste é um sociopata”.  Óbvio que estas palavras não são propriedades da ciência ou da medicina, mas o que observo é que com o passar do tempo, alguma delas vão se desconstruindo do sentido original que muitas vezes provocam equívocos até mesmo na comunidade científica. Vamos a mais uma dessas palavras...

Costumamos chamar de estressadas as pessoas que são submetidas às situações mais deploráveis ou sofríveis de suas condições de vida. O excesso de trabalho, de tarefas, de compromissos, as dificuldades econômicas, a indisponibilidade de tempo, as situações de perda, fazem muitas vezes estas pessoas adoecerem com o que se denomina de estresse.   Esse fenômeno, quando está assim descrito, geralmente se refere a condições desfavoráveis ou desprazerosas e são vistas como sinônimos de fadiga ou de ansiedade, restringindo-se as experiências psíquicas. Se recomendarmos, contudo, aos estressados uma atividade física, uma viagem de turismo, uma mudança de ares, poderíamos estar assim prescrevendo uma receita para o tratamento anti-estresse? Não. Por quê? Porque estas recomendações podem ser igualmente estressantes. Afinal que seria estresse?

O primeiro teórico a utilizar a palavra estresse foi o médico e biólogo canadense Hans Selye num livro que posteriormente se transformou num clássico: The Stress of Life (O estresse da Vida). Selye nunca foi psicólogo ou psiquiatra, era médico endocrinologista, e sua teoria foi construída em cima de experimentos puramente biológicos.  “O Estresse da vida” foi publicado em 1956, e desde então, calcula-se que gerou centenas de milhares de publicações científicas.  Inspirada em conceitos Darwinista, Selye teorizou uma sequência de mecanismos orgânicos-adaptativos nas ocasiões/situações   em que o “ser” era submetido a ameaças a sua integridade. Essas situações iam desde as alterações fisico-químicas, às existenciais ou sociais – as situações de estresse. Esses mecanismos adaptativos evitariam o adoecimento ou a morte do organismo.  Todo esse processo Selye denominou de Síndrome Geral de Adaptação. Havia no entendimento desse teórico a relação adaptação/aptidão de um lado, e a intensidade do estressor do outro – estresse é a situação e a doença. O resultado dessa relação resultaria em três possibilidades: superação (adaptação), adoecimento e nos casos extremos, morte. Alguns exemplos: se saio de um lugar de calor intenso e enfrento uma sala com ar-condicionado com temperatura abaixo dos vinte graus, acontecerá inúmeros mecanismos fisiológicos que vão tentar me adaptar a essa nova situação, caso isso não ocorra, adoeço: resfriado, pneumonia etc. Se vou trabalhar em um novo emprego, mesmo que seja um tão sonhado emprego, vou utilizar, do mesmo modo, de mecanismos adaptativos que se porventura falharem, posso adoecer de inúmeras formas: desde as  crises ansiosas, depressão às doenças físicas.

Tendemos a utilizar a palavra estresse apenas para as situações indesejáveis como perda morte, desemprego, separação. No entanto, as situações estressoras geralmente não são mensuradas apenas pelo infortúnio, mas pela severidade da transformação entre a situação anterior e a experiência posterior e, os novos eventos da vida, não são necessariamente  desagradáveis. Quantas vezes já se observou pessoas adoecerem após casarem, ou aquelas que foram convocadas para uma grande realização profissional, se deprimiram, ou mesmo aquela tão sonhada férias para Europa culminar em vários doenças físicas. O nascimento do primeiro filho seja desejado ou indesejado é considerado um dos estressores mais significativos na cultura ocidental. Se se observar com mais cautela, muitas doenças físicas são desencadeadas em momentos de passagem – que são estressores. Muitas se iniciam na puberdade, no final da adolescência, ou entre a juventude e a meia idade e assim por diante. Os imigrantes são mais sujeitos a mais adoecimentos que os nativos.

A teoria do estresse reporta, de certo modo, ao lado animal; enfrentamos situações sociais ou existenciais como um animal ao seu predador. A ameaça é captada pela nossa fisiologia como se estivéssemos, de fato, à beira de uma situação mortal. Um dos mecanismos defensivos, a ansiedade, é muito utilizada na Síndrome Geral de Adaptação nas situações de estresse. O que suponho que justificaria com que muitos pensem em estresse como situações exclusivamente psíquicas, seria a capacidade que o ser humano tem de transformar ameaças reais em ameaças simbólicas – e no mundo simbólico existem leões, aves de rapina, serpentes,  insetos venenosos, como a mais temida das selvas

Marcos Creder   

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