domingo, 6 de janeiro de 2013

VIDA DE POUCAS PALAVRAS


Andei lendo algumas biografias nos últimos meses e observei que a vida de algumas celebridades, pelo menos da literatura – Dante, Jorge Luiz Borges, Clarice Lispector, Kerouac entre outros – tem uma duração de quatrocentas ou quinhentas páginas. Brincadeiras à parte, fiquei me questionando qual seria a espessura da vida de uma pessoa comum. Alguns certamente diriam que seria bem menos que de uma dessas celebridades. Especulo, contudo, que a vida das pessoas comuns  tem infinitas  e incontáveis páginas. Por quê? Simples. Porque as biografias tendem a focar um aspecto da vida dos sujeitos, e sua vida privada circunda em torno de sua obra, ao contrário da não celebridade que tem diversas nuances, sendo uma delas, a principal, a incansável tentativa de singularizar o que chamamos de “pessoa comum”. A pessoa comum segue o mesmo padrão do conto de Borges, “ O Livro de Areia”, que narra, em curtas páginas, a história de um livro sem fim ou começo.
 Li recentemente uma biografia de Dante Alighieri, por sinal, um excelente e extenso texto – da escritora e pesquisadora inglesa Barbara Reynolds – e nele pude constatar que o verdadeiro “biografado” é o texto a “Divina Comédia”, ou seja, a vida privada de Dante é mais citada dentro da obra que nas pesquisas paralelas.  "A Divina Comédia”, ou simplesmente “A Comédia” como chamava Dante, destaca aquele aforismo da literatura que diz que toda obra tem algo de autobiográfico. 

 Recentemente estava no aeroporto entediado com horário de voos atrasados e resolvi passear pela livraria a procura de algum texto curto. Não demorei muito para encontrar o livro: “Christhopher Hitchens – Últimas Palavras” uma autobiografia de um escritor conservador americano.  O livro tem apenas noventa páginas. Seria uma vida  medíocre? Teriam os conservadores uma vida tão insossa? 

Hitchens além de conservador era um ateu convicto - fato que para quem leu, deveria fazer como Dante, "deixar de fora toda esperança".  O livro discorre pouco sobre a vida do autor e faz, na verdade, relata a “ biografia” de sua doença - um câncer pulmonar, que o levou a morte. Um texto belíssimo, apesar de denso, sofrido e melancólico,  que me remeteu aos tempos de estudante de medicina quando estagiava em hospitais gerais. Não existe algo tão presente para o estudante de medicina quanto à morte, mas, paradoxalmente, a morte é uma das palavras menos pronunciadas na angústia médica. Penso que todo estudante de medicina e de psicologia deveria ao menos dar uma folheada nesse livro. Geralmente os estudantes estão meio que focados em livros técnicos já consagrados na área como “Sobre a Morte e o Morrer” – uma espécie de Best-sellers do profissional de saúde escrito pela psiquiatra suíça Elisabeth Kübler-Ross. Proponho que sejamos mais abertos ao texto leigo. Hitchens nos dá uma aula de relação paciente-instituição-terapeuta (médico). Insisto em dizer que o texto não técnico tem muito a nos dizer.  

Marcos Creder

Um comentário:

rotina criativa disse...

De fato os textos não técnicos tem muito a nos mostrar. As vezes aprendo mais com um romance do que com um livro que fale dos mecanismos psíquicos.