domingo, 13 de janeiro de 2013

O LÓBULO DA FANTASIA


E O INDIFERENTE BRILHO DAS ESTRELAS

Ao redor do reveillon 2012/13
Tibau do Sul (RN)

   

           Cada vez mais, nos últimos tempos, temos  mapeado e compreendido o cérebro e seu funcionamento. Embora o conhecimento humano tenha avançado algumas importantes fronteiras, muito ainda há de ser desvendado.  O cérebro, esta pequena e imóvel parte do corpo humano (2% da massa corpórea) é complexo, extenso e tem lá suas particularidades. Por ele passa cerca de 25% do sangue que é bombeado pelo coração.
                O córtex cerebral humano tem quatro regiões ou áreas chamadas de lóbulos (lobos): frontal, parietal, occipital e temporal.  Cada um deles tem suas responsabilidades, tais como: o lóbulo frontal é responsável pelos movimentos voluntários, bem como o pensamento abstrato e criativo, e as respostas afetivas e emocionais, entre outras atribuições. O lóbulo frontal é, pois, de fundamental importância no estudo da personalidade humana.
                Ops, pera aí! Stop. Eu não sou anatomista, nem sou neurocientista. Evidente que como psicólogo clínico tenho obrigação de conhecer alguma coisa sobre os meandros e os labirintos do cérebro. Porém não possuo recursos de me aprofundar no tema. Na verdade pensei iniciar o presente texto com a seguinte pergunta: “de que é feita a mente humana?”. Vejam que a indagação seria sobre a mente e não sobre o cérebro. Apesar de interligados temos diferenças significativas, afinal enquanto o cérebro é um órgão físico, a mente é uma espécie de sistema integrador dos processos e atividades psíquicas. Fotografamos, via ressonâncias, o cérebro e seus sulcos, a mente não. A mente é invisível, visto que é imaterial, Um neurocirurgião pode palpar o cérebro, mas não a mente humana.
        Frente à pergunta que pensei iniciar este texto (de que é feita a mente humana?), responderia sem titubear: de ilusões. É sobre isto que pretendo expor um pouco e um tanto aqui e agora: as ilusões humanas. Graças a elas somos o que somos, isto é: somos humanos. Fragilmente humanos. Inapelavelmente humanos. Sem as ilusões pouco ou em nada nos diferenciaríamos dos demais animais e seres viventes. Estes apenas vivem, ou sobrevivem. Mas nós não, nós nos iludimos com a vida. Ainda bem. Já nos pensou sem ilusões? Vixe, nem haveria carnaval, ano novo, aniversários, paixões e compaixões! Somos um amontoado de ilusões e fantasias. Alguns dias atrás, por exemplo, estávamos comemorando mais um ano novo. Porém o sol, as estrelas, os gatos, as muriçocas, os golfinhos, as árvores, os vegetais, os répteis, as nuvens, os meteoritos, a Via láctea e o Universo não. Do calor do sol ao branco das nuvens o que habita é uma total e completa indiferença. Menos nós e nossas convenções. Nós e nossas idealizações. Nós e nossos desejos. Nós e os significados que damos à vida, ao mundo e a tudo que nos rodeia, dentro e fora.

                A tematização da ilusão já se fazia presente em textos freudianos no final do século XIX e início do século XX. Freud, em 1908, afirmava que a fantasia do homem adulto é o substituto do brincar do menino. O fantasiar e a ilusão nos são benéficas, pois representam o impulso humano que nos empurra rumo a uma perfeição que não existe. Ao termos o dom da consciência da vida igualmente temos o dom da consciência da morte e do morrer. A finitude nos persegue porque somos homo sapiens. Por isto, contra a consciência da transitoriedade da vida e da existência é que nos defendemos com nossas fantasias e ilusões. Graças a esta defesa frente ao reconhecimento de nossa perenidade e da efemeridade de tudo criamos religiões, artes, literaturas e ideais. Por isto podemos dizer, acreditando em nossa própria mentira, que amamos alguém eternamente.  Sem a fantasmatização das ilusões viveríamos o abismo do desamparo. Por isto Freud disse: “uma ilusão não é a mesma coisa que um erro, nem tampouco um erro... O que é característico das ilusões é o fato de derivarem de desejos humanos”.
                Sim, o ser humano é sustentado nas ilusões. Sem elas seríamos um enorme e profundo vazio. Sem elas não haveria psiquismo humano como o conhecemos e o chamamos. Nem sequer haveria essa coisa indescritível que demos o nome de felicidade e que passamos a vida inteira (um mísero undécimo de milionésimo de nanosegundo no tempo da existência do universo) atrás dela. Quando mais perto parece que chegamos dela, mas ela parece se distanciar. Talvez felicidade seja isso: uma distância interminável que termina quando chegamos ao término das nossas vidas.
                Faço agora minhas as palavras de Maria Rita Kehl, em seu rápido ensaio UMA VIDA SEM SUJEITO: “a rigor, a vida não faz sentido e nossa passagem por aqui não tem nenhuma importância. A rigor, o eu que nos sustenta é uma construção fictícia, depende da memória e também do olhar do outro para se reconhecer como uma unidade estável ao longo do tempo. A rigor, ninguém se importa tanto com nossas eventuais desgraças a ponto de conseguir nos salvar delas. Contra este pano de fundo de nonsense, solidão e desamparo, o psiquismo se constitui em um trabalho permanente de estabelecimento de laços - "destinos pulsionais", como se diz em psicanálise - que sustentam o sujeito perante o outro e diante de si mesmo”.
                Sou da crença – ou seria melhor dizer da ilusão – de que todo texto tem seu seminal. Este germinalmente começou em janeiro de 1974, por ocasião da morte de minha mãe (quase seis anos após a morte de meu pai), no auge de minha adolescência e seus hormônios. Inconscientemente lá ficou, sem palavras, até ao ler um poema de Ferreira Gullar (Morte de Clarice Lispector) quando adulto jovem já eu era:
                   Enquanto te enterravam no cemitério judeu
                   De S. Francisco Xavier
                        (e o clarão de teu olhar soterrado
                   resistindo ainda)
                   o táxi corria comigo à borda da Lagoa
                   na direção de Botafogo
                   E as pedras e as nuvens e as árvores
                   no vento
                   mostravam alegremente
                   que não dependem de nós.

          
       



       Nosso cérebro e nossa mente são programados para fantasiar. Nós mesmos, ou o que pensamos que somos, é uma histórica e biográfica ficção. A realidade é forte demais para nosso psiquismo. Não duraríamos muito acaso somente vivêssemos a realidade todo minuto de todo dia de toda semana de todo mês de todo ano de toda nossa vida. Sucumbiríamos na primeira realidade 
pura e durável. Ainda bem, repito, que temos a fantasia e os devaneios. Se Deus é uma ilusão da alma humana, então agradeço a Deus por nos ter feito imperfeitos e ilusórios. A ilusão e a desilusão, pois, são elementos constituintes da experiência de se ser humano. Devido aos nossos ideais, somos seres potenciais. Movimentamo-nos pela vida que é indiferente a nós. Desejamos. Sonhamos. Realizamos. E continuamos a desejar, a sonhar e a realizar. Não importa se sou para minha companheira uma ilusão desta. Gosto de me sentir amado, mesmo que isto seja, por outro lado, parte de minha própria ilusão. Gosto de gostar dela, mesmo que lá nas profundezas das minhas manifestações psíquicas mais primitivas, tudo não passe de uma mera ilusão narcisista. É saudável. Bem saudável. Afinal, caro leitor(a), caso você não tenha notado ainda, nossas fantasias e ilusões são o combustível que mantém acessa a chama de nossas vidas. Sem elas apagaríamos.

                Por isto e por tudo mais, canto os versos da canção:
                                      “nada além,
                                       nada além de uma ilusão”.

                E antes que me esqueça: feliz 2013 para todos.

Joaquim Cesário de Mello
                

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