sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

CESTA DE VERSO & PROSA








 PORTUGUESA

        A poesia portuguesa não é só feita de Fernando Pessoa e Camões. Há também Cesário Verde, Antero de Quintal, Florbela Espanca, Mário de Sá-Carneiro, Miguel Torga e tantos outros. Tem parte de suas raízes fincadas na formação do espírito nacionalista e no lirismo provençal. Em seu enorme leque poético encontramos ecos melancólicos, saudosistas, religiosos, filosóficos e metafísicos. Do mais puro lirismo ao exotismo, da simplicidade à sensualidade, do rigor formal à expressividade livre, da elegia ao pessimismo, do simbolismo e do romantismo ao realismo poético, de ponta a ponta, a poesia portuguesa é um dos mais importantes acervos da sensibilidade humana em relação ao espanto frente à vida. É uma poesia ampla, vária e complexa, que não se acanha de fazer tanto uso do tradicionalismo quanto de expor seus conflitos existenciais. A riqueza da poesia portuguesa de Portugal é incontável, razão pela qual expomos abaixo alguns nomes representativos da contemporaneidade de nossos patrícios. Permitam-se, pois, se deixarem tocar pelo intocável, e se puder aproveitem o acariciar suave e profundo das palavras e imagens no inexprimível interior de nossas almas.


De noite, um cão começa a ladrar; e,
atrás dele, todos os cães da noite
se põem a ladrar. Depois, o primeiro
cão cala-se. Pouco a pouco, os outros
também se calam, até que o silêncio

se instala, como antes de o primeiro
cão ter ladrado. De noite, não
é possível saber por que é que um cão ladra,
se o não estamos a ver. Talvez porque
alguém tenha passado por trás de um
muro; talvez por causa de um gato (essas
sombras que se esgueiram pelas portas).
Não é preciso encontrar razões concretas
para justificar a noite de todos os
cães: mas é verdade que um cão, quando
ladra, e acorda os outros cães, acorda
a própria noite, os seus fantasmas, o que
não se pode ver, isto é, o centro da
noite, o negro motor do mundo.

Nuno Júdice

SEU A SEU DONO

A pele espera nas coisas a carícia do uso
como o cão anseia pelo dono.
O bordo do copo, os dentes do garfo.
Usurpar os lábios entreabertos
com a alma útil e desinteressada.
Um gole de. Faz-se tarde.
O vinho faz esquecer a pele do copo.
Porque tocar (pensa ela)
é uma confidência nocturna.
Lá fora as flores. As sebes.
O ressumar de amantes no cálice.
Toco-te com mãos alheias:
eis toda a confidência de que sou capaz.
Um vestido de seda a abrir na minha perna:
um osso para te fazer correr:
um ganido de amor à porta do prédio.
Rosa Alice Branco


                                      DOMINGO  


                            Hoje é domingo? Não e sim,  
                            Para ser dia que se vive
                            mergulho as mãos em mim
                            e tiro os domingos que tive. 

Luís Veiga Leitão

HORA


Sinto que hoje novamente embarco
Para as grandes aventuras, 
Passam no ar palavras obscuras
E o meu desejo canta --- por isso marco
Nos meus sentidos a imagem desta hora.

Sonoro e profundo
Aquele mundo
Que eu sonhara e perdera
Espera
O peso dos meus gestos.

E dormem mil gestos nos meus dedos.

Desligadas dos círculos funestos
Das mentiras alheias,
Finalmente solitárias,
As minhas mãos estão cheias
De expectativa e de segredos
Como os negros arvoredos
Que baloiçam na noite murmurando.

Ao longe por mim oiço chamando
A voz das coisas que eu sei amar.

E de novo caminho para o mar.
Sophia Breyner


CANÇÃO

                                                              











                                               Hoje venho dizer-te que nevou  
                                               no rosto familiar que te esperava.
                                               Não é nada, meu amor, foi um pássaro,
                                               a casca do tempo que caiu,
                                               uma lágrima, um barco, uma palavra.
                                               Foi apenas mais um dia que passou
                                               entre arcos e arcos de solidão;
                                               a curva dos teus olhos que se fechou,
                                               uma gota de orvalho, uma só gota,
                                               secretamente morta na tua mão.

                                                               Eugênio de Andrade


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