quinta-feira, 23 de agosto de 2012



INALAÇÕES E EXPLICITAÇÕES ACERCA DE UM POEMA



DE ANDRESSA COSTA



Implícito
E não me importa quais sejam as canções
Eu quero as notas seguindo o tom da sinfonia
E não importa qual seja o enredo
Eu quero poder contar
Mas não quero qualquer nós
Eu quero vínculo
Mas o céu engarrafou
Eu queria perfeição
Embora reconheça a incompletude
Eu quero tudo que tenho direito
Embora não expresse
Eu sinto todos os quereres
Contudo me protejo
Sei o que tem dentro de mim
Sei o que tem dentro de mim
Contudo me protejo
Eu sinto todos os quereres
Embora não expresse
Eu quero tudo que tenho direito
Embora reconheça a incompletude
Eu queria perfeição
Mas o céu engarrafou
Eu quero vínculo
Mas não quero qualquer nós
Eu quero poder contar
E não importa qual seja o enredo
Eu quero as notas seguindo o tom da sinfonia
E não me importa quais sejam as canções.
(Andressa Costa)
                Todo ser humano tem sua implicidades, afinal há sempre algo de tácito até nos nossos mais mínimos gestos. A alma não expressa assim tão diretamente suas todas vontades e seus mais discretos segredos, pois mesmo a si mesma ela tem lá seus velados. Há mais de nós escondidos em nós do que provavelmente supomos. E não é porque, às vezes, não se demonstra que não se sente.
                Nossas vidas são feitas de legendas e discursos. Como um texto em construção nos fazemos de subtextos e contextos, de ditos e não ditos. Somos mais um enorme inchaço de desejos contidos, aprisionados por baixo de nossas encenações cotidianas. Sim, queremos tudo a que temos direito e queremos mais: queremos a perfeição mais perfeita, a realização completa de todos os nossos sonhos. Não queremos exceção, mas sim queremos ser a exceção. Queremos tudo e não importa qual seja o enredo – como diz a poeta – e nem qual sejam as canções. Não importa a música que se assovie, mas o ar reprimido em nossos pulmões.
                “Dentro de mim mora um anjo/que tem a boca pintada...que passa horas a fio/no espelho do toucador”. Como diz Cacaso: “quem me vê assim cantando/não sabe nada de mim”. No fundo quero e queremos as estrelas no buraco negro de nossas almas tingidas de bege e branco. Somos amarelos, vermelhos ou azuis que sonham ser um inteiro arco-íris. Embora se viva de reciprocidades lá dentro distante do eu que se conhece e se faz conhecer há um homem fatal indiferente ao externo que lhe atrapalha o interno. Embora não queiramos admitir muitas vezes, há em todos nós uma autossuficiência inconsumada. Aquém de nossas humildes máscaras subverte-se um outro que prefere ser admiravelmente olhado, muito mais do que só amado. Talvez o anjo que nos habita com sua boca pintada seja como nos dizeres de Fernando Pessoa: “todo o homem que há sou eu. Toda a sociedade está dentro de mim. Eu sou os meus melhores amigos e os meus mais verdadeiros inimigos. O resto – o que está fora – desde as planícies e os montes até às gentes.. – tudo isso não é senão Paisagem”.
                A poeta se revela em sua poesia. Não mais nem menos narcísica como qualquer um. Nas entrelinhas de seus versos transpira toda sua humanidade, tão competente e satisfatoriamente humana em sua incompetência em não se poder ter tudo e em sua insatisfação de não se ser perfeita. Sim, cara poeta, também sinto em mim todos os meus quereres e igualmente uso minhas armaduras de proteção.  Elas pesam e incomodam. Antes a ousadia de me despir do que a covardia de me esconder. Porém só me vejo audaz e afoito quando fecho os olhos e sonho grandes voos.
                O anjo que mora em cada um de nós e que passa horas a fio no espelho do toucador é um anjo sem asas. Cortado, mutilado, lhe resta o sonho de um imenso céu de estrelas que iluminam o seu mais livre adejar.  Acontece que lá fora o céu está sempre engarrafado. Talvez sejam os outros anjos que estão a voar e o céu é pequeno demais para tantos. Mas não desista, minha pequena e jovem poeta, continue a querer voar e voe para além do horizonte. E lá chegando encontrarás com certeza outro horizonte tão longe e distante quanto o primeiro. E depois mais outro e depois outro e outro... E quando a tua, a minha, a nossa, vida acabar seremos como um astro que passou apressado e loucamente a sonhar.
E não me importa quais sejam as canções

Joaquim Cesário de Mello

2 comentários:

rotina criativa disse...

Linda poesia e lindo texto. Poder se ver refletido em palavras alheias, reconhecer-se em um verso. Como já comentei em outra poesia tua, "cabeção", faço minha a sua emoção. ;)

Andressa Costa disse...

Eu andava triste, por ter perdido um texto que foi escrito para mim de aniversário por uma pessoa muito querida. Nele, ela fazia uma metáfora sobre o anjo torto de Drummond no poema das 7 faces, poesia essa que eu gosto muito e relacionava com uma frase que eu andava repetindo bastante: "se eu tivesse asas não me prenderia a detalhes" De fato eu me dispi e faço isso sempre quando escrevo, boto minhas "vergonhas" para fora, percebo isso, vendo sua interpretação da minha poesia, vc nem me conhece e consegue me ver, uma prova de sua grande sensibilidade. Esse texto foi muito importante para mim, mais do que você possa imaginar, eu recebi da vida( e de vc) meu texto perdido de volta de alguma maneira e um olhar das minhas confusões como só a autora do primeiro texto poderia ter sobre mim. Obrigadaa, agora eu sei: eu ainda quero voar!