quinta-feira, 14 de maio de 2020

DIÁRIO DE AULA - FAMÍLIA: FUNÇÃO MATERNA

FUNÇÃO MATERNA
              Bebê sozinho não existe, já afirmava Winnicott. Com essas palavras ele enfatizava que não poderia haver bebê sem mãe, afinal o ser humano recém-nascido é completamente desaparelhado à sobrevivência, necessitando absolutamente de um terceiro que lhe cuide e atenda às suas necessidades, inclusive as mais primárias e elementares. A pessoa que assim o faz é aquela que exerce não somente o papel materno, mas a função materna. Para fins de simplificação, chamemos essa pessoa de MÃE.
Workshop – A Construção do Vínculo Mãe-Bebê ao Longo da Gestação ...                A função materna não apenas possibilita a sobrevivência do lactante, mas igualmente é essencial para a organização psíquica da criança pequena em formação. É a partir dessa relação primária que o sujeito humano partirá, posteriormente, para se lançar no mundo. Notável, pois, a importância fundamental da mãe nos primeiros instantes constitutivos do funcionamento mental e sua influência vida a fora.
              O melhor exercício materno (mãe suficientemente boa) é aquele em que a mãe saber dosar o amor que ele sente pelo filho com as necessidades deste ter seus limites, bem como ajustar e harmonizar seus desejos de proteger o filho pequeno e de libertá-lo gradualmente à medida que ele cresce rumo à independência e à autonomia. Podemos até dizer que o desenvolvimento humano é uma caminhar da excessiva proximidade com a mãe e o desligar-se desta. Separar-se da mãe não significa abandonar de fato a mãe, mas sim psicologicamente não mais necessitar tanto dela.
                A função materna é uma função de holding (vide conceito winnicottiano), que corresponde ao amparo que se dá ao bebê, tanto fisicamente quanto psicologicamente. O dar o colo é mais do que amparar a criança junto ao seio. É proteger, como uma espécie de para-raios, a mente vulnerável e rudimentar infantil dos inúmeros estímulos geradores de ansiedade e inquietação. 
          A relação matricial humana (mãe-filho) é, ou deveria ser, um ambiente psicologicamente acolhedor para o bebê. Mas, para que tal aconteça, é necessário uma mãe emocionalmente equilibrada e estável. Uma mãe não comprometida narcisicamente, isto é, que não necessite de seu filho para preservar sua autoestima. Uma mãe comprometida pela depressão, por exemplo, gerará desequilíbrio a esta relação materna-filial e não conseguirá corresponder ao seu papel de ambiente acolhedor. Assim ocorrendo não teríamos somente prejuízos marcantes ao desenvolvimento psicológico infantil, mas também neurofisiológico. Ambos déficits tendem a gerar repercussões a médio e a longo prazo. Vide artigo EFEITOS DA DEPRESSÃO MATERNA NO DESENVOLVIMENTO NEUROBIOLÓGICO E PSICOLÓGICO DA CRIANÇA, de Maria da Graça Motta, Aldo Lucion e Gisele Manfro: http://www.scielo.br/pdf/rprs/v27n2/v27n2a07.pdf
A reciprocidade entre mãe e filho (bebê) é fundamental e relevante. À guiza de exemplificação veja abaixo a experimentação que o psicólogo americano Edward Tronick denomina de still face (rosto impassível):




Os meses e anos iniciais de vida do ser humano compõem um período sensível e crítico ao desenvolvimento do mesmo. É neste período inicial que iremos adquirir nossas primeiras informações afetivas, cognitivas e sociais. Como descreve o supramencionado artigo “em humanos, a privação materna pode ocorrer mesmo sem a intenção da mãe de prejudicar o bebê, como, por exemplo, em decorrência da depressão pós-parto (DPP). A DPP pode favorecer a ocorrência tanto de abuso quanto de negligência principalmente quando  os  sintomas depressivos forem persistentes. As mães deprimidas mais frequentemente mantêm um padrão de comportamento intrusivo ou retirado (ausente emocionalmente) , danoso para a criança”.
             Winnicott, pediatra e psicanalista inglês, muito contribuiu para o entendimento da dinâmica relacional mãe e filho. Dentro da perspectiva winnicottiana todo ser humano traz consigo um inato potencial ao crescimento e muito dependerá do ambiente que poderá ser facilitador ou dificultador ao amadurecimento. Possíveis dificuldades da mãe (que para um recém-nascido é o ambiente) geram atrapalhos ao processo de amadurecimento rumo a futura autonomia. O olhar psicológico da mãe é fundamental e uma mãe suficientemente boa olha seu filho como algo diferente dela (em termos narcisistas, é claro).

                Ainda dentro da perspectiva winnicottiana somos inicialmente uma não-integração (o ego ainda não está integrado). Nesta não-integração necessitará de uma mãe/ambiente que funcione como continente às suas angústias e ansiedades várias. As respostas empáticas geradas pela mãe, segundo Winnicott, muito dependerá de sua condição em exercer uma “preocupação materna primária” (vida conceito). E é a partir dessa capacidade de a mãe se identificar com seu filho que ela também poderá exercer com maior eficiência o holding, principalmente devido a sua maior sensibilidade para com as demandas do infante.
O bebê idealizado X o bebê real | Temos que falar sobre isso - TQFSI       Antes de uma criança nascer ela já existe. Existe na mente consciente e/ou inconsciente dos pais. Antes de uma mãe vir a ser mãe, ela foi primeiramente um filho(a). Embora não nos lembremos nosso psiquismo e nosso cérebro registram a imagem (imago) do bebê que um dia fomos, assim como registra a imagem (imago) da mãe que tivemos e da relação que um dia tivemos entre ela e nós. E não somente a vaga ideia (registro mnêmico) do filho que já fomos e da mãe que já tivemos, mas também da mãe e do filho idealizados. Ferida nascisistas na infância da mãe de hoje ressoam por detrás e além dos sentimentos e gestos maternos.
                Evidente, mais uma vez, que não conseguiríamos em um curto espaço de um blog explicitar a profundidade de uma relação tão primordial como esta. Alguns textos complementares podem nos ajudar, tais como:

- UMA CRIANÇA EM BUSCA DE UMA JANELA: FUNÇÃO MATERNA E TRAUMA 
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1415-71282006000100003

- O DISCURSO PARENTAL E SUA RELAÇÃO COM A INSCRIÇÃO DA CRIANÇA NO UNIVERSO SIMBÓLICO DOS PAIS(http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?pid=S1414-98932004000300006&script=sci_arttext)

- AMOR E ÓDIO – A AMBIVALÊNCIA DA MÃE, editora Companhia de Freud.

- A SOMBRA DA MÃE, editora Livraria Martins Fontes.
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PS: e tudo que você possa ter acesso dentro da perspectiva winnicottiana. Pesquisar, pois...
Vide vídeo abaixo:



Joaquim Cesário de  Mello





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