domingo, 3 de janeiro de 2016

ANO NOVO, ANO VELHO...


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Iniciamos um novo ano nos nossos calendários. A antiga folhinha que enfeitava paredes de cozinhas fixava o tempo em dias e anos. Contamos, assim, a passagem do tempo em nossas vidas. Ou será que contamos o tempo que passamos na vida? Só sei que o tempo é inerente ao existir humano, visto sermos capazes de reconhecer os eventos e fatos da vida e de organizá-los psicologicamente. A medição do tempo é uma construção sócio-histórica. As coisas são mutáveis ou sofrem transformações e alterações. Por isso temos a noção que o tempo, assim como a vida, flui. Do ponto de vista da Física clássica, também conhecida como Física Newtoniana, o tempo é uniforme, isto é, não passa nem mais rápido nem mais devagar. Ele é algo absoluto. O templo simplesmente é. Quem dá vivência ao tempo é o ser humano que busca, inclusive, defini-lo com palavras, como o faz, por exemplo, o escritor português Virgílio Ferreira: "o tempo que passa não passa depressa. O que passa depressa é o tempo que passou". O homem entra no tempo ao senti-lo e pensá-lo. Fatiamos o tempo em anos, dias, minutos e segundos. Metrificamo-lo. Porém, igualmente poetizamos o tempo, como nos seguintes versos de Drummond: "o tempo passa? Não passa no abismo do coração". E é sobre este tempo não passante, onde não existem anos novos, que subjetivaremos aqui o suposto ano entrante.
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Se a vida não tem ano novo ou ano velho - a vida é uma continuidade - então quem inventou o ano novo? Provavelmente impossível sabermos a resposta com exatidão. Porém sabemos que para existir a ideia de ano novo e ano velho é preciso primeiramente haver-se inventado o calendário. A criação do calendário é muito provavelmente resultado do desenvolvimento humano da agricultura a partir da observação do ciclo das estações. Historicamente o movimento lunar e das estrelas devem ter sido nosso primeiro referencial de periodicidade. Assim, observado o sol e a lua o ser humano concebeu seus primevos calendários. E por ter necessidade de simbolizar a vida e a existência o bicho homem criou inúmeros e incontáveis símbolos para tanto explicar o universo circundante como para dar sentido à vida. E aí chegamos à ideia do ano novo como representação alegórica de renascimento - essa eterna necessidade humana de imortalidade. 
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No festejar do ano novo temos a promessa psicológica da realização dos nossos desejos. Parece até que na virada anual dos calendários atravessamos uma ponte sobre um rio cuja margem que deixamos é o ano passado e a margem para onde nos dirigimos é o ano vindouro. Algo de mágico nos ilude. Adoramos ser iludidos. E como Lázaros nos acreditamos ressuscitados. "Cinco, quatro, três, dois, um..." bum!.. pronto, estamos renascidos; não como carne, mas como esperança.
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E se é para ser assim, por que há tanta gente que que não se sente bem com as celebrações de final de ano? Bom, cada vivência simbólica de passagem de ano encontra eco na história pessoal de cada um. Datas festivas são terreno fértil para nos remeter às perdas, às ausências e às faltas. Fernando Pessoa, na voz do seu heterônimo Álvaro de Campos, em seu poema Aniversário, escreveu: "No tempo em que festejavam o dia dos meus anos, eu era feliz e ninguém estava morto". Final de ano, assim como Natal e data de aniversário para alguns geralmente não são datas alegres, porém melancólicas e até depressivas. São momentos em que a sensibilidade está à flor da pele.
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Embora na passagem simbólica de um ano para outro o evento seja comemorado com promessas de mudanças, lembremos que o novo assusta muita gente. Passagens implicam mudanças. Angústias e medos frequentemente podem se acoplar às esperanças e sonhos de dias melhores. Mudar não é fácil. Prometer sim. Mudanças implicam coisas novas, às vezes estranhas e desconhecidas. Provavelmente assim reconhecendo é que certa vez disse Freud: "quando a dor de não estar vivendo for maior que o medo da mudança a pessoa muda". Quem quer mudar, mas mudar de verdade, não apenas cosmética e superficialmente, haverá de começar pelo medo de mudar.
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Pois é, as coisas ou nós mesmos não mudam por si só. Escreveu o poeta Pablo Neruda; "não me sinto mudar. Ontem eu era o mesmo./O tempo passa lento sobre os meus entusiasmos". Ano novo é convenção. Uma maneira de contarmos a passagem do tempo. Uma maneira de nos confrontar com nossa provisoriedade e impermanência. Alguém em algum lugar já disse que a vida é o fio do tempo. E mais uma vez retomo Fernando Pessoa quando escreveu: "passou a diligência e foi-se; e a estrada não ficou mais bela, nem sequer mais feia... passamos e esquecemos; e o sol é sempre pontual todos os dias".
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Não me esperem, pois, desejando-lhes feliz ano novo. Repito, a vida não tem ano novo ou ano velho. A vida é uma continuidade. O que desejo a quem aqui me lê é que seja o que for ainda querer mudar comece mudando por dentro. E não esperemos pelos números e datas impressas em folhinhas de calendário. Se somos como somos fugazes, então busque cada um "escrever um livro, plantar uma árvore e ter um filho". Se tudo evanesce, se esgota e se dissipa, que possamos criar algo, uma gênese do inusitado. Quando nossa criatividade é embotada e quando nossas ações são adiadas, é porque temos um sujeito castrado. Afinal, como afirmava o poeta romano Ovídio, "amanhã não seremos o que fomos, nem o que somos". Não aguardemos o dia seguinte. O dia seguinte começa hoje. Feliz dia de hoje...

Joaquim Cesário de Mello

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