domingo, 27 de dezembro de 2015

Geração cabisbaixa



Rebeca diz a si mesma, Vencerei, serei forte. Lera essas palavras no facebook do perfil “motiva a ação” compartilhado por um amigo dependente químico. Ao sair da sessão de psicoterapia, desligou o celular. Na rua sentiu-se insegura, temia não saber chegar a canto algum, mas, por outro lado, dirigia com mais prudência, e ainda, observava a rua e seu entorno com minúcia e nitidez, uma árvore havia crescido, uma fachada de casa modificara, um novo restaurante se anunciava. Tudo parecia-lhe novo, como se aquela paisagem jamais tivesse existido, ou se existisse,  envolvera-se de estranhas percepções enoveladas de  recordações anacrônicas e desconhecidas - algo como uma lembrança remota. Esse desfile de imagens despertou-lhe um sem número de sentimentos saudosistas; lembrara, das festas de sua adolescência, das conversas à beira-mar, dos almoços de domingo nos clubes – clube? Quando foi a ultima vez que estive num clube?, pensou. Tudo parecia-lhe distante e quimérico, como se tivesse revivendo “vidas passadas”,  recordações do tempo da ingenuidade. Rebeca entristecia e por um impulso procurou seu rosto no retrovisor do carro e verificou,  não envelhecera tanto assim, era jovem, tinha trinta e poucos.  Não faz tanto tempo. Seu rosto, do mesmo modo, se mantinha coerente. Sou ainda atraente, disse em voz alta ao espelho que concordou em silêncio. era preciso prevenir , contudo. Rebeca postava as fotos nas redes sociais  que parecia ter menos de vinte anos.  Melhor assim, afirmava. O mundo havia se  disfarçado. Mais feliz, mais viçoso.

Ao passar por um cruzamento, já perto de casa, Rebeca vê uma senhora atravessar a rua e foi tomada pelo mesmo estranhamento: conhecia aquela mulher. Sim! Conhecera nos tempos de colégio, inclusive, era amiga íntima. Rebeca não lembrava o seu nome, esforçou-se para recordar, frustrava-se, aborrecia-se. Teve vontade de abrir a janela do carro e chamar-lhe aos gritos. Rebeca para o carro e tentar alcançar a amiga a pé.
Aperta  o passo. No caminho, ocorreram-lhe  rápidas lembranças.  Era uma amiga maravilhosa, de boa índole, carinhosa e tão estudiosa quanto ela. Passaria facilmente no vestibular. O casamento viria, por prudência, no início da vida profissional. Tinha beleza, desejo e inteligência. Seria feliz? Ao se perguntar, Rebeca pondera, Se eu a procurasse no facebook talvez tivesse uma “pista”, mas não sei seu nome, lamenta-se. Se, reflete, tivesse rede social teria visto e recordado seu nome. Rebeca, obediente a sua abstinência, recusou-se a checar no celular.   Estava há poucos metros, apressava-se,   e temendo que a mulher entrasse em um prédio, não resistiu e gritou, Senhora, por favor! A mulher olha para trás, contrai as pálpebras. Perdão, continuou Rebeca, mas tenho certeza que a conheço, suponho que estudamos juntas, lembra de mim?  A mulher sorri e diz, como poderia esquecer? Abraçam-se.  Me perdoe, disse Rebeca, Esqueci completamente seu nome, faz tempo que não a vejo, sequer nos encontramos na internet. A mulher sorri mais uma vez,  Não estou tão irreconhecível assim, amiga. Continuamos parecidas. Vamos conversar, relembrar? quanto tempo você tem? Rebeca ergue a cabeça: mas eu moro aqui também! A mulher passa-lhe a mão na cabeça e diz, tá vendo só, estávamos aqui o tempo todo e não nos vimos. A propósito meu nome você sabe, é Rebeca.

Marcos Creder

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