domingo, 10 de janeiro de 2016

O Destino das Prateleiras




Umberto Eco disse, em entrevista escrita, que agora não me recordo,  que o Livro é umas das maiores invenções da humanidade, invenção do mesmo porte que a “roda” e o controle do “fogo”.  Quando fez esse comentário ele destacou o livro não apenas se referindo as palavras escritas - o texto em si - , mas ao objeto como um todo: com  capa, lombada e, por fim, as folhas de papel com a impressão das palavras. Mesmo que seja substituído em partes por outros  formatos eletrônicos que acomode um texto num tablet ou num celular, ainda assim, o livro tem sua praticidade e sua durabilidade, e, principalmente, vida longa. Segundo Eco,  nessa mesma entrevista, os formatos eletrônicos são mais instáveis que o livro comum. Já se criou arquivos em cartões de memória SD, em USB, em CD-ROM ou em disquete ( alguém lembra deste?).  O livro  de papel, desde que foi confeccionado  no formato de impressão elaborado por  Gutemberg,  mantém  sua forma.

As pessoas do futuro dirão provavelmente que livros ocupam ou ocupavam muito espaço, além  de envolver preocupações com conservação, limpeza, ordenação, classificação, e  ambientes apropriados -  enfim, uma biblioteca. Essa forma de pensar, contudo, representa uma substancial  mudança de valores - tão comum, mas sempre lamentado, no percurso da História. Quando criança cheguei a  conhecer pessoas que compravam livros simplesmente para decorar a casa,  dispostos em prateleiras próximo a televisão ou no quarto dos filhos. Os intelectuais exibidos diziam que eram os compradores de livro “por metro”: meio metro de capa azul,  um metro de capa verde, meio metro de marrom com vermelho etc. Nesses tempos, era elegante ter livros em casa, embora que, para muitos, lê-los era desnecessário ou dispensável.

Se me perguntarem o que acho das tecnologias para edição de livros virtuais, ou eletrônicos, respondo: acho extraordinário. Acho que, como dizem, democratizam o acesso a leitura e a informação de uma maneira geral. Inclusive os tenho. Contudo, se me perguntarem o que acho dos ditos livros físicos, ou de papel, também teço  muitos elogios e acrescento,  não devem ser objetos decorativos,  mas, de algum modo eles criam um ambiente favorável à leitura. Uma biblioteca, para um bom leitor, acho indispensável. penso que a mesma comparação pode ser estendida aos que gostam de filmes: “cinema ainda é o melhor lugar para se assistir aos filmes”.

Nos dias dispersivos da atualidade, suponho,  que faltem lugares dedicados a determinados lazeres. Eu elegi  os livros  como um dos  meus lazeres - lembro-me que muitas pessoas achavam esquisitos o fato de passar parte das minhas  férias lendo; essas mesmas pessoas tendem a pensar os livros ou o texto como instrumento de trabalho, apenas isso.  Um desses lugares dedicados que foi ao longo da história se aperfeiçoando foram justamente as bibliotecas. Montaigne encastelou-se numa delas e lá   leu e escreveu.  Os  “Ensaios” foram redigidos em meio a outros livros; Borges encantava-se com uma ternura especial à biblioteca - chamava-a de Universo, e o próprio Umberto Eco traz no seu principal romance, influenciado por Borges, uma biblioteca hexagonal em O Nome da Rosa,  um o retrato de uma biblioteca medieval.

Ler em qualquer lugar é bom, mas se isso ocorre numa biblioteca, é ainda melhor. A biblioteca, seja  pública ou privada, clama por silêncio, o papel em que os livros são confeccionados já fazem com que os barulhos e ruídos externos esbarrem nas primeiras prateleiras; O sol quando a invade de luz,  é controlado e harmonizado pelas diversas cores de lombadas dos volumes; o isolamento, a solidão dos leitores, que se propicia nas bibliotecas, juntamente com a monotonia dos livros empilhados, melhoram a concentração para a leitura.

Enfim, o futuro é imprevisível, mas lamentaria muito  assistir a um mundo sem prateleiras de livros. Borges no seu conto A Biblioteca de Babel vai mais longe:

Talvez me enganem a velhice e o temor, mas suspeito que a espécie humana – a única – está por extinguir-se e que a Biblioteca perdurará: iluminada, solitária, infinita, perfeitamente imóvel, armada de volumes preciosos, inútil, incorruptível, secreta.








Marcos Creder

Nenhum comentário: