domingo, 24 de janeiro de 2016

Poetas sem palavras e outros personagens



Há personagens curiosos no nosso dia a dia. Um dos que me chama  atenção, são aqueles que tem suas aspirações de vida sempre proteladas em função dos acontecimentos da realidade - os azarados, os contingentes, ou precavidos em excesso ou aqueles que estavam quase chegando “lá” e "por um triz", por um infortúnio, mais uma vez foi obrigado a adiar o sonho que tanto planejou. Geralmente essas pessoas escolhem projetos profissionais, digamos, mais instigantes (talvez românticos), são poetas sem versos, pintores sem traços, romancista sem livros, compositores sem melodia, ator sem personagem. Enfim, são aqueles que rodeiam sua vida em nome de um projeto artístico, literário, dramatúrgico  - para não dizer dramático -   de prosperidade.  E não precisa se restringir ao sonho artístico. Há os empreendedores.  Numa determinada família, o marido, pai e avô dizia que tinha todas as ideias para montar uma fábrica de automóveis de baixo consumo de combustíveis, mostrava a quem quisesse ver seus traços de motores, feitos ainda em papel  vegetal com traçados a lápis como nos antigos projetos arquitetônicos. Ele dizia que esperava melhorar os recursos financeiros para iniciar o seu canteiro de obra. Enquanto isso não acontecia, ficava em casa assistindo à programas de TV à cabo relacionados com o tema - nenhum carro futurista o superava, comentava. aos setenta anos depois de um caso de doença grave com a mulher, que necessitava viajar para longe, descobriu, ou melhor caiu em si, de que se não já havia dinheiro, teria menos ainda. enfim o projeto declarava-se inviável. Depois de muitos anos se deu conta de aqueles papéis eram como desenhos, como brincadeiras infantis. caiu no ostracismo - um neto ainda se interessava e ele, envergonhado, se deprimia. 

Conheci vários poetas sem versos escritos ou falados, que se diziam escritores  por conta de uma postura de vida e de algumas inquietudes que atormentavam suas cabeças.  Aguardavam um momento de nirvana que a vida pudesse lhes  propiciar, quiçá um momento de  tédio suficiente para “a criação” - alguns me diziam, o tédio vem com a idade - nisso estavam certos. O tédio, abre os braços e, espaçoso, sequer propicia vontade de escrever algo. Nesse momento, em que todos os blefes se rendem ao tédio, vem, enfim, o constrangimento. Como um mágico que  vê desvendada a sua magia, entristece, e esta  melancolia o enfraquece, o dilapida, sequer lhe arruma palavras poéticas para sair desse marasmo. faltou talento, faltou empenho, arrisco em dizer faltou querer.


É possível que alguns interpretem esse tipo de crença do velho senhor e do poeta  como uma crença delirantes - e não estariam de todo errados, pois há, sem dúvida, algumas semelhanças. Suponho, contudo, que neste caso, domina o território do desejo e da fantasia, da ideia sobrevalorada, como estão nos manuais de psicopatologia.  Aqui reside o ponto de sustentação e os pilares  de muitas pessoas, do mesmo modo que algumas crenças religiosas radicais. E se são sustentadas anos a fio,  há uma razão de terem se perpetuado. Freud disse em determinado texto que havia uma vantagem em se manter inerte ou de fracassar no êxito, fazendo com que esses sonhos ou projetos fossem  irrelizáveis desde antes, desde o começo - sendo o cerne do projeto, justamente, sonhar com o impossível.  Machado de Assis disse em certo texto que "é melhor cair das nuvens que do terceiro andar". Hélio Pellegrino, psicanalista, muito conhecido nos anos 1970 -1980, invertia o sentido dessa frase: "é melhor cair do terceiro andar que cair das nuvens". concordo com o psicanalista, e posso afirmar que esses sujeitos que citei, caem do terceiro anda de vez em quando mas demoram-se a cair das nuvens e tem alguma razão, pois  fraturas no orgulho e na autoestima e em todos seus constructos ilusórios, são por vezes irreversíveis. 

Marcos Creder




 

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