domingo, 6 de dezembro de 2015

TWILIGHT ZONE EM TEMPOS DE TWITTER

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Quando criança só de escutar a música de abertura do seriado Além da Imaginação (Twilight Zone) já me dava arrepios e me tirava o sono. Além da Imaginação era uma série que misturava com maestria ficção científica, suspense e terror. Quimérico e fantasmagórico Além da Imaginação deixou marcas indeléveis em toda uma geração. Utilizando-se do surreal e do fantástico como metáfora Twilight Zone botava o dedo em situações sociais e políticas da época. Valendo-se da ficção o roteiro era impregnado de críticas à realidade americana de seu tempo. Pois bem, Além da Imaginação tem atualmente seu mais fiel herdeiro: Black Mirror. Este seriado britânico aborda com sagacidade os efeitos colaterais da tecnologia que exageradamente utilizamos e dependemos nos dias que se seguem. Ou alguém ainda duvida que a tecnologia está virando (ou já virou) um vício análogo aos das drogas em geral? Se houver algum ingênuo de plantão, tá na hora de "cair na real". O vício digital já é um problema ao mesmo tempo preocupante e crescente. Estudos americanos realizados apontam que cerca de 280 milhões de pessoas espalhadas pelo mundo são dependentes em app, games, tablets e celulares. O o psicólogo e doutor em psiquiatria, coordenador do Grupo de Dependência Tecnológica da USP, Cristiano Nabuco, autor de vários livros na área, afirma, por exemplo, que a febre dos selfies o tempo todo é mais que um mero modismo, é um sintoma mesmo. Cada vez mais parece que estamos usando a tecnologia sem moderação. 
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A relação ser humano x tecnologia é tema de reflexão já algum tempo. Filmes como Homens, Mulheres e Filhos (2014) é um bom exemplo do excesso de conexão. A onipresença da internet em nossas vidas, bem como a ubiquidade das redes sociais, provocaram novos arranjos nas relações sociais. Segundo o IBOPE os brasileiros gastam mais de 43 horas mensais navegando na internet. Onde chegaremos? Difícil agora responder, porém Black Mirror nos dá uma visualização fantasticamente plausível de futuras situações que podem absurdamente até acontecer. O despropositado já faz parte do nosso cotidiano, e nem nos damos conta, exceto quando podemos ver no segundo capítulo da primeira temporada a cena inicial em uma espécie de academia (uma fábrica de energia elétrica) onde todos padronizadamente vestidos de cinza (funcionários escravos) pedalam em suas bicicletas ergométricas (geradores de energia), escutando músicas em seus mínimos microfones de ouvido e olhando embasbacadamente programas televisivos nas telas em frente. Você vê o ridículo da cena, contudo mais adiante tá lá você pedalando ou andando em esteiras sem de fato sair do lugar. Kafkianamente surreal e kitsch.  
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Black Mirror traduzindo significa "espelho negro". Como diz o criador da série, Charlie Brooker, "espelho negro do título é aquele que você irá encontrar em cada parede, em cada mesa, na palma de cada mão: a fria e brilhante tela de um TV, monitor, smartphone". Como diz a jornalista de O Globo, Patrícia Kogut, Black Mirror é uma fábula do século XXI. Cada capítulo é um conto, uma história independe, cujo clima fabular e um tanto debochado satiriza os tempos atuais e a nossa techno-dependência. O futuro - que já aparece agora - não se apresenta tão brilhante e promissor, porém escuro e negro como as telas apagadas de um computador.

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Uma outra faceta que a série explora, por detrás de tanta tecnologia high-tech, é a natureza humana em seus aspectos mais inglórios. Voyeurismo, perversões, narcisismos, egoísmos, exibicionismos, depravações, desumanidades, indiferenças e falta de humildade, humilhações - um verdadeiro desfilar do que é capaz o ser humano quando a solidariedade e o verniz social é deixado de lado. O primeiro capítulo (O Hino Nacional) é tanto exemplar quanto antológico. Trata-se do sequestro da princesa da Inglaterra cuja única condição para  que ela não seja morta é o primeiro-ministro transar ao vivo, em rede nacional, com uma porca. Perturbador não é o inusitado da condição do resgate, mas sim a reação dos telespectadores que, mesmo alguns enojados e repugnados, não descolam o olhar da tela. A maioria, inclusive, sadicamente se diverte.
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Desconcertante e incômodo, Black Mirror nos faz temer nosso futuro. O estilo ficção científica mormente tem essa função: o que nos espera amanhã? A literatura e o cinema muito explorou, e continua explorando o assunto, em livros e filmes como: Homem Bicentenário, 2001: Uma Odisseia no Espaço, Gattaca, Eu Robô, Minority Report, Admirável Mundo Novo, Matrix, A Origem, Laranja Mecânica, Metrópolis, Blade Runner, entre tantos outros. O seriado em questão segue a linha da distopia tecnológica, do tipo high tech, low life. Por detrás da vida linear que a tecnologia proporciona habita uma existência ameaçadoramente caótica e humanamente fria e maldosa. Cada capítulo de Black Mirror é uma janela para o subjacente das coisas, até as mais prosaicas que executamos e vivenciamos em nossos cotidianos medíocres. 
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"Há uma quinta dimensão além daquelas conhecidas pelo Homem. É uma dimensão tão vasta quanto o espaço e tão desprovida de tempo quanto o infinito. É o espaço intermediário entre a luz e a sombra, entre a ciência e a superstição; e se encontra entre o abismo dos temores do Homem e o cume dos seus conhecimentos. É a dimensão da fantasia. Uma região Além da Imaginação." Era assim que se iniciava cada episódio da série Além da Imaginação (Twilight Zone). Twilight Zone (que foi ao ar entre 1959 e 1964) maravilhou toda uma geração com sua inquietante mistura de fantasia e absurdo. Precursor de Black Mirror, ambos nos dão indicações que o amanhã tão ansiado pode não ser o sonho esperado, mas sim um interminável pesadelo cujas raízes estão aqui ao alcance das pontas dos dedos e frente às telas negras dos nossos não tão inofensivos aparelhos. Tenham cuidado com seus smartphones.


Joaquim Cesário de Mello

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