domingo, 27 de setembro de 2015

UMA LEITURA DA LEITURA

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Já se usou o termo literacia. Hoje é comumente chamado de alfabetização. Uma pessoa alfabetizada não é apenas aquela que aprendeu a ler os códigos gramaticais de sua língua, mas sim aquela que desenvolveu a capacidade de compreender e interpretar o que está lendo. Daí poder existir pessoas que embora consigam ler não são capazes de entender com clareza o texto lido. O IBGE, através do último censo decenal (2010), aponta que entre cinco pessoas pesquisadas uma apresenta analfabetismo funcional, ou seja, 20% aproximadamente da população. Ler e compreender o lido é, pois, não somente importante, porém fundamental, para o processo educacional. Aprende-se a ler lendo.
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Ler não é decifrar significados. Ler é resignificar, dialogar com outras ideias e enriquecer o ser humano e social que somos. Como já dizia Monteiro Lobato um país se faz de homens e de livros. A leitura é uma substancial fonte incentivadora do pensamento crítico-reflexivo. Para Humberto Eco a leitura é uma necessidade biológica do ser humano, talvez por isso também diga Fernando Pessoa que "ler é sonhar pela mão de outrem", e só assim - pensa o poeta - podemos nos livrar da mão que nos conduz.
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"O texto tem sua face/de avesso na superfície", escreve o poeta e crítico literário Gilberto Teles. Alguém também já disse que a leitura é um dos últimos recantos da liberdade intelectual. Intelectual aqui entendido não como aquele que faz parte da intelligenstia ou que tem função de trabalho intelectual, mas sim como aquele que usa do seu intelecto para pensar criticamente, estudar e refletir acerca de ideias, sobre a vida e o mundo. O destacado geógrafo brasileiro Milton Santos bem define: "o intelectual existe para criar o desconforto". Eu diria, inclusive, que utilizar a mente para realmente pensar com criticidade e discernimento gera por si mesmo o desconforto em quem pensa, isto é, tira o sujeito da posição confortável de viver passiva e acriticamente.
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Nosso mundo é um mundo letrado, e quem não lê ou não sabe ou não consegue ler direito não tem um bom prognóstico de futuro. Geralmente aprende-se a ler de criança; e eu complementaria que aprende-se a gostar de ler a partir da infância. Com o livro a criança entra em contato com o mundo que lhe é maior. O ambiente onde se vive a infância tem forte influência na formação do hábito de ler. Pais que gostam de ler são exemplo identificatórios à personalidade em formação do infante. Pais que compram livros para si e para a criança e que conta histórias a ela valorizam a leitura que o filho por espelhamento e por experiência vai igualmente adquirindo semelhante valor. O gosto pela leitura é uma fluidez que vai se construindo.
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Diferente da televisão e do cinema, na leitura não recebemos imagens prontas e acabadas. Lendo a imaginação corre solta e somos nós que mentalmente criamos cenários ou damos colorido e emoção ao que está sendo literariamente apresentado. Há uma dialética entre entender e interpretar, e de tal dialética é que surge a síntese psíquica da leitura. O leitor jamais é um passivo inerte, pelo contrário, os mecanismos e processos mentais são continuamente exercitados. Com a prática da leitura afinamos tanto nossa percepção quanto nossa criatividade e espírito crítico. Ler naturalmente faz pensar; e pensando mais e melhor é que podemos ler o mundo e a existência de maneira mais ampliada e profunda. Lendo não somente amplificamos a mente, mas também podemos mudar o curso de nossas vidas, muitas vezes medíocres, ingênuas e míopes.
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A leitura é a maior das amizades- escreveu Marcel Proust. Não pense - caro leitor(a) - que lendo vamos ficar mais sábios em termos de maior número de informação e acervo cultural. Pode ser que sim e geralmente sim. Mas a verdadeira sabedoria que a leitura nos proporciona é a de que menos coisas eu realmente conheço. Nossas verdades antes tão imutáveis se desmancham. Somos lançados ao chamado "paradoxo socrático" que é: só sei que nada sei. O escritor chinês Lin Yutang, celebrado por livros como "A Importância de Viver" foi sábio quando disse que "quando mais leio mais ignorante fico. A escolha que hoje se depara qualquer homem educado é entre a ignorância que não lê e a ignorância que lê muito". 
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Ainda citando Marcel Proust, "Na realidade, todo leitor é, quando lê, o leitor de si mesmo. A obra não passa de uma espécie de instrumento ótico oferecido ao leitor a fim de lhe ser possível discernir o que, sem ela, não teria certamente visto em si mesmo". Neste sentido, a leitura não representa copiar para dentro da alma um texto lido de fora. O mero leitor - como escreve o filósofo Walter Benjamim - impercebe como um texto possibilita abrir novos e profundos caminhos e trilhas alma adentro. "o leitor segue os movimentos de sua mente no voo livre do devaneio, ao passo que o copiador os submete ao seu comando", conclui ele.
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Quem vê uma pessoa lendo parece estar vendo uma pessoa em uma atividade solitário. Não está. Quando se está lendo dialoga-se com quem escreveu, com o social, a cultura e com a vida. Dialoga-se também, e ainda, consigo mesmo, com suas lembranças e com o que nos formou até então como pessoa. Um livro, um texto escrito qualquer, é mediação entre sujeitos e gerações. E como função mediadora a leitura nos propicia interagir melhor com a realidade e, quem sabe?, reconstruí-la a partir de outros parâmetros, olhares e ideias. Uma leitura que não gera minimamente ideias - sejam pensamentos nunca antes pensados, sejam novas ideias sobre pensamentos antes já pensados - para mim não é propriamente leitura como aqui abordo, mas sim puro entretenimento, tão somente.
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Canta o poeta: "e quando agora levantar os olhos deste livro,/nada será estranho, tudo grande./Aí fora existe o que vivo dentro de mim/e aqui e mais além nada tem fronteiras..." (Rainer Maria Rilke). Quem lê parece estar fechando os olhos e sonhando mundos além; mas também quem lê abre os olhos e vê o que está além do mundo que se vê. O processo da leitura, embora às vezes possa até ser um tanto árduo (pensar dói), deve ser sempre um prazer e uma interação (leitor e obra), um diálogo com o autor, e que possibilite a quem lê desenvolver competências textuais. 
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Por ser problematizadora a leitura inevitavelmente produz reflexão e suscita dúvidas, dúvidas necessárias e bem vindas. Apesar da maioria de nós sabermos e reconhecermos a importância da leitura, inclusive para progredir na vida, muitos não cultuam esse hábito e até chegam a achar ler uma atividade desinteressante. Como escreve Dioclécio Campo Júnior, em seu livro "Até Quando?: ensaios sobre dilemas da atualidade" (2008): "quando 92% dos candidatos ao exame da Ordem dos Advogados são reprovados por inépcia nas interpretação dos textos, é preciso parar para pensar". Que tal pensarmos sobre isso, aliás, um pouco mais sobre isso?


Joaquim Cesário de Mello

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