Recentemente assisti a uma entrevista do historiador Boris Fausto feita ao programa Roda-Viva da TV Cultura. Entre os temas problematizados, além das velhas questões políticas e da própria escrita da história do Brasil contemporâneo, foi trazido à discussão o mais recente livro desse historiador, que, inclusive, andei comentando aqui nesse Blog. Trata-se do "Brilho do Bronze", um livro de memórias, um diário em que o autor, melancólico confesso, trás as recordações cotidianas após a perda da mulher. Texto muito elogiado por sinal, e, que recomendo.
Num determinado momento da entrevista, um jornalista, que não me recordo o nome, perguntou a Bóris se ele tinha sido influenciado pelo autor uruguaio Mário Benedetti, cujo o livro, "A Trégua", teria, como afirmou, enredo semelhante. Ingenuamente achei a pergunta estranha, até mesmo ridícula, pois se são memórias, não haveria sentido em se ter "influências". Como uma obra da vida real teria sido copiada da ficção? A vida real, pensei, é contingente, foge ao nosso controle, não segue a mesma linha da ficção - mesmo quando se perde proposital ou momentaneamente o controle criativo. Disse acima que fui ingênuo porque fui verificar o romance do uruguaio e desse modo, pude perceber, que a vida é singular, mas a estética nem sempre... De fato, a forma de narrar dos dois autores é muito semelhante, e trazem tragédias parecidas. Costumo dizer que todas as vidas se parecem no final, terminam, invariavelmente, em morte e tristeza, e, nesses dois textos, posso confirmar essa assertiva .
O livro do autor uruguaio é extraordinário, muito bem escrito e de leitura fluída - tive a sensação de que, conhecendo agora, teria lido tarde, fato que me fez ler com rapidez. O texto narra a história de um homem já maduro que, ainda na juventude, enviuvou. Toda vida segue o rumo a partir marca biográfica do luto. A sombra da viuvez é irascível, uma sombra que, melancólica, cria um tom de predestinação para o negativo, para uma vida recordativa cuja memória encontra-se empoeirada. Tal qual o livro de Bóris, "A Trégua" tem formato de diário - o historiador diz, não se enganem, "o meu é um diário, não há ficção".
Somos eternos descontentes, procuramos na ficção a realidade e na realidade a ficção - esses pontos e contrapontos ocorrem quando se faz as duas leituras - eu recomendo.

Marcos Creder
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