A TRAGÉDIA DE ONTEM DA HISTÓRIA

Na verdade, já se tentou dar várias explicações sobre o nazismo e, principalmente, sobre os nazistas e, muitas vezes, a solução mais usual – ou mais “cômoda” como diria Luiz Felipe Ponde – seria tentar, por assim dizer, psiquiatrizá-los, julgando-os como loucos, desequilibrados, psicopatas etc. Controvérsias à parte, prefiro utilizar a definição de Hannah Arendt: eram pessoas “terrivelmente normais”. Esses “normais” e essa “normalidade”, acrescento, não é histórica, não foi daquele época, não pertence a outra etnia, não faz parte de uma religião, nem mora do outro lado do continente, tampouco do outro lado da cidade. Ela habita muitos discursos de pessoas iguais a nós.
Assisti ao filme “A Chave de Sarah” (2010) do diretor francês Gilles Paquet-Brenner. O filme narra um episódio de uma outra França ocupada pela Alemanha nazista que se mostrava muito mais colaboracionista que “resistente” – enfim, da França que estamos mais acostumados a ver nos livros de história . A maneira como a comunidade judaica foi presa e deportada aos campos de concentração e de como parte da população francesa apoiou ativamente, particularmente me surpreendeu e me fez pensar se a humanidade, de fato, não seguiria as linhas de pensamento de Leviatã de Thomas Hobbes. Não seria a sociabilidade acidental? Não se reduziria a moral aos interesses, às paixões e ao conatus (instinto de conservação individual)?
Duas personagens se destacam no filme: Júlia Jamond, uma jornalista norte-americana radicada na França dos tempos atuais que tem como objeto de pesquisa justamente o dia em que cerca de 12 mil judeus foram presos, e, Sarah, uma dessas prisioneiras, a segunda personagem, uma criança de dez anos de idade. Enquanto Julia procura desvendar os mistérios desse passado, Sarah, após fugir do campo de concentração, vai tentando se ocultar no futuro. A fuga de Sarah tinha pelo menos dois objetivos: carregar uma chave e sobreviver. Metaforicamente as duas coisas são postas em prova pela crueldade dos acontecimentos da 2ª. Guerra. Contudo, Sarah sobrevive àquela época e Julia consegue desvendar grande parte das minúcias do acontecimento. Enfim, falando desse modo, poderíamos interpretar que o filme conclui, como muitos concluiriam, sua narrativa de forma alegre ou pelo menos esperançosa. Mas não foi bem assim que os fatos aconteceram...
Uma pergunta muitas vezes se deixar esquecer quando, aliviados, saímos de um recorte cinematográfico de uma tragédia: que resíduos deixaria, naquelas crianças, ou mesmo nos adultos, a experiência trágica? Tendemos a acreditar, infantilmente, que as histórias épicas desses heróis, que vivem horrores semelhantes, após fazer essa travessia – essa Odisséia – caminham naturalmente para a vida das pessoas normais. Será?
O filme Chave de Sarah reedita a frase-título irrespondível de Primo Levi: É isso um homem?
Marcos Creder (publicado originalmente em 10 de junho de 2012)
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