domingo, 12 de maio de 2013

ESTE PERSONAGEM DRAMÁTICO CHAMADO SER HUMANO


“sou um homem velho e conheci um grande número de preocupações,
mas a maioria delas nunca aconteceu”.
(Mark Twain)                 

           


     No campo da literatura, por exemplo, o drama é definido como "qualquer narrativa no âmbito da prosa literária em que haja conflito ou atrito", Não há drama se não houver conflito ou colisão de forças (externas ou internas aos personagens). Suas raízes e origens datam de cinco séculos antes de Cristo, na Grécia, ou mais precisamente no teatro grego.  Vem de lá seu étimo, que em grego (drama) representa ação.

                Tanto no teatro, na literatura, quanto no cinema, o fenômeno da catarse se faz presente. Catarse – que também vem do grego kátharsis – significa “purificação” ou “purgação”, ou como afirmava Aristóteles, a catarse representa a purificação da alma através de uma evacuação emocional provocada por um drama. Psicologicamente falando experimentar catarse é se libertar de alguma coisa opressora.  E isto é bem utilizado nos ambientes clínicos da psicologia. Se artisticamente um texto dramático pode propiciar catarse, a utilização da simbolização poética em psicoterapia igualmente. A exploração emocional a que está submetido um paciente em psicoterapia abre espaço para explosões emocionais, explosões estas que visam eliminar tensões e angústias provenientes de conflitos internos. É bem verdade que somente “faxinar a alma” (catarse) não resulta em si mesmo na resolução dos conflitos, porém alivia o sofrimento que deles se origina. É necessário, além da purificação emotiva, a elaboração dos mesmos a partir de suas raízes e no presente.
                Mas, voltemos ao drama propriamente dito. Se o drama é definido pelo jogo de forças (conflito) a que se está submetido o sujeito e que lhe gera sofrimento, tormento, angústia e angústia, então se pode dizer que a própria vida humana é um drama, haja visto ser o ser humano um ser de desejos, muitas vezes antagônicos entre eles, bem como também muitas vezes frustrados pela própria realidade da vida. O jagunço Riobaldo em GRANDE SERTÃO VEREDAS, de Guimarães Rosa, já avisava que “viver é perigoso, seu moço”. Mas, perá aí. Uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa. Expliquemos melhor.
           Uma coisa são os dramas que a vida nos proporciona (perdas, frustrações, fracassos, separações, doenças, conflitos e disputas), outra coisa é a nossa capacidade de dramatizar o drama. Lembram daquele adágio popular que diz “fazendo tempestade em copo d´agua”? Pois é, muitas vezes as pessoas reagem exageradamente frente a pouco estímulo. E por que isso ocorre? Por que superdimensionamos pequenos problemas e pequenas questões? Por que somos assim tão intensos e tão aflitivamente dramáticos? Talvez porque, lá no fundo de cada um de nós, nos consideremos especiais e únicos, e por isso o mundo, a vida, as outras pessoas e a realidade sejam apenas cenários e palcos onde realizaremos todos os nossos desejos. Talvez.

                Sim, há algo de teatral na vida humana. Aliás, o próprio termo personalidade advém do grego persona, cujo significado é máscara e que designava a personagem representada pelo atores no teatro. Até em Psicologia Social e Sociologia temos a expressão “atores sociais”. Ao nos construirmos como pessoa vamos construindo uma personalidade que nos distingue como indivíduo de outros indivíduos. Neste sentido nossa personalidade é o somatório de nossas  características psicológicas que determinam nossa individualidade tanto pessoal quanto social. Não nascemos com uma personalidade. Não somos ainda uma pessoa, psicologicamente falando, no principiar de nossa existência. Crescer e maturar, assim, é personalizar o psiquismo. Somos frutos e somos criação. Criamos com o tempo nossa personalidade e nosso personagem. Sim, criamos uma personagem com a qual transitamos pela vida e pelo mundo afora. E muitas vezes acreditamos nela. Como disse Cazuza: “faz parte do meu show”.


                         Não é de hoje que me utilizo dos versos de Fernando Pessoa para expressar parte do que sinto, penso, observo e anoto. Não seria diferente agora. E mais uma vez recorro às suas palavras, com o celebrado poema Tabacaria. Nele Fernando Pessoa, na voz do heterônomo Álvaro de Campos, fala da solidão humana frente a vastidão do universo alheio a ele. Em um monólogo mental o personagem expõe seus pensamentos mais narcisistas (não sou nada./Nunca serei nada./Não posso querer ser nada./À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo”). Por meio de metáforas vemos um “eu” só, fracassado e abandonado à própria sorte. Oscilando entre o mundo interior e o mundo exterior, Fernando Pessoa transita seus versos entre o cotidiano e os sonhos grandiosos. E impotente frente à natureza da vida e do Cosmo, o personagem se descreve exatamente como um personagem que se construiu ao longo de sua vida e que se confunde com seu próprio ser.
                               "Fiz de mim o que não soube
E o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho,
Já tinha envelhecido."

     


     Somos dramáticos porque somos vulneráveis e frágeis. Somos dramáticos não porque temos emoções, mas porque somos emotivos. Porque acreditamos na ilusão de nossa grandiosa importância, até que a Realidade nos inflige e nos revela toda nossa desimportante impotência. Somos dramáticos porque cremos que os deuses nos olham como filhos prediletos, mas o universo é ateu. Somos dramáticos por acharmos que nossa pequenez merece o maior dos livros, a mais sublime das histórias, onde somos o protagonista central de um mundo composto de apenas figurantes. Somos dramáticos porque simplesmente somos humanos, ora.
                          A vida é nosso 
                                   palco


Joaquim Cesário de Mello



Nenhum comentário: