domingo, 5 de maio de 2013

Nem Édipo soube do que fez



Falei não faz muito tempo que as terminologias psiquiátricas invadiram o senso comum e se tornaram palavras bastante “recitadas” no dia-a-dia. Falarei sobre   efeitos semelhantes  nas psicoterapias. Muitas pessoas vem  as psicoterapias e análises com teorias prontas sobre si mesmo. Alguns arriscam até a dar uma nomenclatura com suposições, por assim dizer, psicologizantes de seu sofrimento: “tenho complexo de Édipo mal resolvido, sou um recalcado, tenho lá minhas neuroses e psicoses, o meu problema é meu superego”.  Não tenho, e já deu para perceber,  muita apreço por jargões ou terminologias técnicas excessivas, inclusive,  aborrece-me sobremaneira, alguns discursos que se protegem com frases cujas palavras se aglutinam e se tornam incompreensíveis, há “idiomas” psicológico-psicanalítico que em sua maioria não querem dizer nada, que  faz lembrar da novela de Lima Barreto, “o Homem que Sabia Javanês”, que a custa de seu saber erudito – ou seja, falar uma língua desconhecida, bizarra – o personagem ganha  notoriedade em todos os salões cariocas do início do seculo XX. Conheço muitos que falam Javanês... Mas isso não vem ao caso. O interessante é que o costume médico faz com que, muitas vezes, necessitemos de nomes estrambóticos para nos propiciar algum conforto ou amparo técnico, mesmo que não tenhamos ideia alguma do que se trata.   O alento de dizer uma palavra estranha parece conferir saberes extraordinários aos ignorantes - tanto para o que fala quanto para o que ouve.

Em contrapartida, quando Freud começou a construir os primeiros pilares da psicanálise, preferiu, para nossa surpresa, um caminho mais simples, sem pedantismos, fazendo do seu texto simples e de fácil compreensibilidade se comparados aos textos de muitos de seus seguidores. Muitos leitores de Freud eram filósofos, escritores, músicos, poetas,  não eram médicos ou psicólogos e, sequer quiseram fazer carreira profissional. Eram curiosos  que se interessaram por um bom texto e pela revolução metapsicológica.

Mas eu falei que muitos se protegem com jargões e, entre esses, não só se protegem  os profissionais como também  os clientes-pacientes. Saber os termos, o vocabulário da psicanálise, está, as vezes, mais a serviço do “não saber” do que do saber propriamente dito. Confuso?  Vejamos...

  Aquele que diz que o seu conflito reside no seu Complexo de Édipo mencionaria seu impasse da seguinte forma, já na primeira sessão: “amo a minha mãe" e, confidencialmente, “odeio o pai”. Com um hálito erudito conclui, “minha neurose é assim, sou neurótico de livro...”, conclui envaidecido.  Suponho que se um sujeito desejasse a mãe, inclusive sexualmente, e tivesse um desejo de aniquilar o pai como está bem claro no discurso do analisando, certamente estaria longe de ser neurótico, estaria mais próximo, bem mais próximo, seguindo a mesma batuta classificatória de perverso. Mas como o dito é um dito embusteiro, um dizer estético, um desenho de palavras, provavelmente, quem o pronunciou está longe de efetivar o incesto ou de cometer  o parricídio. Na verdade,  traz-se com esse dizer, um saber estéril e racionalizado que tem pouco valor na psicanálise. O “já sabido”, ou visível na consciência não interessa tanto quanto o que nos interrroga ou o que desconhecemos completamente. Jacques Lacan, um desses teóricos que, como citei no início, carrega um barroquismo no seu dizer – muitas vezes incompreensíveis – tem um frase interessante: “em psicanálise, o paciente não  sabe o que diz”.   E, acrescento, o sujeito que nos chega com um saber pronto, sabe menos ainda – e aqui poderia se acrescentar o rol dos profissionais de saberes “densos”. Enfim, sabemos pouco do que nos ocorre.


No mito grego que inspirou  Sófocles a construir a peça Édipo Rei,  observamos  que a frase citada pelo cliente acima, volta a ser pronunciada no oráculo da Pitonisa – sacerdotisa do templo de Apolo –  ao próprio Édipo: “matarás teu pai e se casarás com tua mãe”. Ao ter conhecimento disso, Édipo foge daqueles que julgava serem seus pais – não sabia que era filho adotivo – para que o oráculo não se consumasse.  No caminho para Tebas mata o rei Laio e casa-se com Jocasta, sua esposa. Tebas, então, é invadida por uma misteriosa praga, uma maldição, e mais uma vez o oráculo é consultado. Tirésias, o profeta, paradoxalmente, visionário e cego, reafirma que o oráculo, enfim , ocorrera: Édipo havia casado com a mãe e assassinado seu pai.

Um tema muitas vezes deixado de lado pelos os intérpretes da peça de Sófocles é justamente essa relação que existe entre o  saber racionalizado que esconde outro saber,  o verdadeiro saber que está ali bem a nossa frente e que nunca nos tínhamos dado conta ou que nunca nos foi permitido ter conhecimento.  Desse modo, podemos também acrescentar que o conflito de Édipo foi ter pensado saber, mas não se sabia o que dizia ou o que fazia.

Marcos Creder 

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