domingo, 17 de fevereiro de 2013

As Doenças do Discurso


Já é consagrado pela comunidade científica a ideia de que deve sempre haver um diálogo informativo entre a ciência e a comunidade – ideia da qual eu corroboro. Foram justamente às publicações dirigidas a leigos que estimularam personalidades conhecidas a se interessar pelo saber da ciência. Conta-se que Einstein, por exemplo, teria já esboçado alguma teoria da física moderna, ainda tendo como instrumento as revistas populares. O objetivo dessas publicações é, de certo modo, trazer as novidades à comunidade, quebrando mitos populares e, principalmente, esclarecer de forma pedagógica sobre temas que não frequenta comumente as notícias do cotidiano. Muitas publicações ainda, a depender da área de atuação, e aqui eu destaco a área de saúde mental, tem um papel de quebrar preconceitos ou estigmas que ainda ocorram em algumas áreas de conhecimento.

Essa conscientização contra os estigmas consagrados vão mais além do que trazer um esclarecimento àqueles que tem apenas uma vaga ideia sobre o tema.    Por exemplo, na área de saúde mental, tem-se feito trabalhos bastante interessantes no sentido de minimizar os preconceitos que ocorrem aos portadores de transtornos mentais, principalmente, aos dependentes químicos, aos pacientes psicóticos (onde se inclui a esquizofrenia), aos que fazem uso de medicação –  ou até mesmo aos que fazem psicoterapias –   ou ainda, aos pacientes suicidas. Como disse, os trabalhos são dirigidos não apenas ao público que tenha total desconhecimento do tema, mas para profissionais que, às vezes, estão bem próximo dessas realidades. Por exemplo: é fato incontestável um número elevado de profissionais que trabalha em linha de emergência geral sejam eles médicos, enfermeiros, fisioterapeutas e, inclusive, – não raro –   profissionais de saúde mental, que tem preconceitos ou  como dizem, tem “dificuldades” com pacientes com transtorno mental grave ou com risco de suicídio. Numa emergência geral, ouve-se, por exemplo, de maneira velada – bem nas entrelinhas mesmo – que os acidentados deveriam ter prioridade frente aos que tentaram se matar ou os que se acidentaram por uso de substâncias psicoativas (álcool e outras drogas), uma vez que os “verdadeiros doentes” não provocaram suas doenças  – cabe lembrar que as seguradora e muitos  planos de saúde não dão cobertura, inclusive, contém cláusulas contratuais que advertem para essas situações. Há relatos, em situações mais extremas, que os profissionais muitas vezes agridem verbalmente os pacientes com sarcasmo: “devia ter tomado uma dose maior, veio só para me dar trabalho”
  
Se o estigma e o preconceito encontram-se até mesmo nos profissionais especializados e muitos trabalhos por meio de encontros, workshops, palestras e outros eventos tentam-se remover esses mitos e, mesmo assim se consegue resultados apenas razoáveis, que dirá daqueles que são submetidos pedagogicamente à esclarecimentos ao acaso. Falo aqui especialmente da pessoa comum que está ouvindo o rádio ou assistindo a uma novela de televisão; sabe-se que tem campanhas em que destaca algum tema – uma doença, um transtorno – e que se tenta trabalhar a quebra do estigma com o esclarecimento.  Nesse ponto uma polêmica se instala, principalmente, quando se trata de saúde mental. Até que ponto os meios de comunicação podem contribuir para a quebra de estigmas já muito tempo consagrados? Até que ponto uma explanação pode generalizar um evento psíquico, causando mais dano com a que beneficio – criando, por assim dizer, um preconceito científico? Ou ainda, que fins terapêuticos tem essas informações pedagógicas  à população geral. Falo isso porque, muitas vezes, a depender do momento televisivo, por exemplo, acontecem de pessoas ou familiares procurarem especialistas, na tentativa de se curar de alguma doença muitas vezes inexistente. Houve época em que os “esquizofrênicos” e, principalmente, os “meio esquizofrênicos” começaram a transitar mais em consultórios, além dos “TOCs ocasionais” dos que tem “jeito de bipolaridade” e os portadores de “algo parecido com Pânico”. Acrescentam-se ainda alguns discursos: “sou um sociopata controlado”, “desse jeito vou acabar sendo borderline”.  Parece que o número de equívocos aumenta com essas campanhas, contudo, a  lógica  para esses casos deveria ser simples: para esses equívocos um esclarecimento profissional reconduz de volta para o caminho da “normalidade”. Na verdade, seria simples se a lógica fosse realmente essa, mas o caminho é bem mais complicado, porque se sabe que o próprio profissional procurado tem um entendimento superficial e, assim como aquele que o procurou, é igualmente inseguro.

Existe um fenômeno na medicina em que a doença é provocada pelo próprio procedimento médico, ou seja, uma pessoa faz um tratamento para uma determinada afecção e esse tratamento produz outra doença. Às vezes esse fenômeno, que é chamado de iatrogenia (Iatros: médico; gênese: origem), é inevitável – um risco do qual o paciente está submetido e é  advertido. Mas a maioria das iatrogenias ainda é acidental: o paciente tomou uma medicação antibacteriana que provocou uma dor de estomago, cujo remédio provocou alteração nos leucócitos e, assim por diante.

Em psiquiatria e saúde mental o único instrumento terapêutico que se tem, praticamente, é a fala, o discurso, é dele que se montam as hipóteses. Como não se tem outras formas de investigação – ainda não se “dosa” depressão, ansiedade, delírio ou alucinação – devemos levar em consideração que os meios de comunicação tende a provocar iatrogenias fabricando doenças  e, ainda mais, sugestionando o discurso de seus “acometidos”. Há ocasiões em que o paciente, já na sala de espera de consultórios, vem com um pedaço de uma folha de alguma revista na mão, diz saber seu diagnóstico e, inclusive, já saber seu tratamento e de maneira pragmática já o determinar: “o tratamento é esse, tá aqui o nome do remédio...”.

Embora que saibamos que o esclarecimento se faz necessário, será necessária também maior cautela quando se veicula informações muito subjetivas sobre os transtornos psíquicos. No curso de medicina existe um fenômeno, uma espécie de fenômeno hipocondríaco, no momento em que o estudante pesquisa as patologias da medicina –  se por um acaso,  tiver lendo ou discutindo sobre , por exemplo, uma hepatite, ou uma meningite, muitos ficam meio atordoados e sugestionados pela informação. Mesmo tendo certeza de que não estão doente, muitos procuram fazer exames laboratoriais para descartar completamente a doença. No caso de psiquiatria, como disse, não se tem exames, dosagens ou imagens radiográficas, tem-se apenas outro discurso para desfazer essas doenças provocadas pelo discurso.

Marcos Creder  

Um comentário:

Andressa Costa disse...

Tenho me questionado muito sobre isso ultimamente, tendo em vista que as pessoas já chegam nos consultórios "autodiagnosticadas" e muitas vezes o papel do psicoterapeuta ou/e psiquiatra seja trabalhar através do discurso essa hipótese (com força de certeza) levantada pelo paciente. Os meios de comunicação facilitaram o acesso a informação, a questão é sobre a qualidade que está sendo passada tais informações. o que tenho visto é um discurso superficial que compromete o contéudo do que está sendo publicado. Muito bom o texto!