De onde senta, por detrás
da mesa e do trabalho, observa-a passar evaporadamente como uma noite de
domingo. Adora-lhe o deslizar de sua mão em seus cabelos compridos como se
fosse dele o toque e a carícia movimentando desejos. Quisera ser as roupas que
a vestem só para juntar-se ao corpo dela e abraçar-lhe com a suave fúria dos
que acasalam. Não importa se é linda ou bela, já que a possui tão logo ela
passa, afinal aquela iniciante mulher, que em breve também envelhecerá,
ocupa-lhe o olfato e a vista na intimidade negada de uma cumplicidade
incorrespondida. Pois em todo o tempo em que a presencia passar não foram mais
que duas vezes que se falaram. Na primeira, ele tossiu; na segunda, gaguejou –
suspiros amorosos do infeliz homem que somente ele conhece o amor. Porém, antes
assim: não fosse o sonho restaria o tédio a desertificar a alma e o pouco resto
de sua memória.
Ama-lhe ele em todos os
momentos dos seus momentos um incansável e silencioso amor amar de impresenças.
As exterioridades inexprimem interiores onde lá, na ruidosa mudez deteriorante
dos órgãos, conhece unicamente ele o fervilhar consumante dos apaixonantes
afetos. No íntimo de si não há qualquer solidão, mas a companhia infinda
daquela jovem mulher que não fora do seu arbítrio desejar e com a qual se ocupa
inteiro completamente, a tal ponto que não há mais sequer lugar para outro
sonho que não seja ela. Quem o presencia assim costumeiramente desacompanhado
há de confundi-lo com um homem só. Não sabem eles que nas praças, ruas, praias,
cinemas, restaurantes e localidades várias, acha-se ela nele, na
irreciprocidade egoísta de um sentimento amordaçadamente lacrado. Quem o olha
assim costumeiramente só nunca há de saber que ali está alguém que vive
acordado para dentro, como se a vida lhe fosse o oposto de fora.
Quem sabe um dia (o que
seria de nós acaso não esperássemos dias?) ela o veja enfim em sua
singularidade infinda e aceite então suas mais inconfessáveis ardências. Quem
sabe um dia, quando a maturidade já lhe encobrir o cheiro adocicado das flores
e ele não mais estiver sentado em seu birô de anos, possa ela enxergar no
habitual do seu discreto canto o vácuo deixado pela inevitável ausência, e
sentir saudades daquele amor que de tão verdadeiro jamais ousou fazer-se
notícia. Quem sabe um dia...
Joaquim Cesário de Mello
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