domingo, 3 de fevereiro de 2013

Há uma Pedra no Caminho da Medicina...




Há cerca de dez anos assisti  a um desses filmes americanos de aventura que estava na moda. A história era mirabolante e futurista e contava a rotina de um grupo de policiais americanos - redundante? - que investigava os crimes de maneira inusitada. Eles tinham uma espécie de artifício tecnológico e “paranormal” que previa crimes que ainda estavam por acontecer, prendendo os bandidos antes dos seus atos criminosos. Como todo filme desse tipo, a história ruma no sentido de que esse tipo de prevenção era impossível e que tinham “interesses espúrios e capitalistas selvagens por traz” – interessante que os filmes norte-americanos tendem sempre a criar  esse enredo  conspiratória  que envolve o ganho de volumosa somas de dinheiro (bilhões de dólares)  que culmina na “moral”: “dinheiro não traz felicidade” – logo nos Estados Unidos? – e, acrescento, traz menos ainda quando a vítima é interpretada por Tom Cruiser – no cinema, quando se maltrata gente bonita, o crime, certamente,  é mais hediondo e mais passível de vingança. O filme se chamava Minority Report (não me recordo o nome que deram no Brasil).  Porque falo de um filme tão remoto e tão assim  desinteressante? Vejamos...

Há poucos dias vi um artigo do conceituado médico Dráuzio Varela que  defendia a internação involuntária dos dependentes químicos, especialmente de Crack, sob o argumento de que antes de se tornarem criminosos, devem ser recolhidos das ruas e tratados mesmo que não tenham nenhum desejo de querer qualquer tipo e tratamento. Entendo a sensatez de seus argumentos e da ideia que se tem de internamento como sinônimo de tratamento adequado. Concordo que existem situações em que de fato se faz necessária a internação involuntária mas sob determinados parâmetros. A lei Federal 10.216/01 permite que pessoas possam ser internadas involuntariamente desde que tenha indicação médica e que essa internação seja comunicada ao Ministério Público no prazo de 72h – internação, diga-se de passagem, em unidade especializada, ou seja, hospital com equipe multidisciplinar em regime de 24h. Quais seriam essas indicações médicas? O consenso entre os psiquiatras é de que seriam situações em que os pacientes desconheçam que sejam portadores de transtornos psíquicos graves, que quebrem o teste de realidade e que o distúrbio, por fim,  ofereçam riscos a si ou aos outros:  risco imediato de suicídio ou, por exemplo, de agressão em consequência de atividade delirante-alucinatória. Daí entramos numa polêmica: o dependente químico tem consciência de seu transtorno?  Se tem, que poder teriam os profissionais ou o Estado em interceder no seu desejo? E ainda, por quanto tempo? São tantas perguntas para bem escassas respostas.

SIMÃO BACAMARTE - O ALIENTISTA 
    O crack, como sabemos, é uma substância psicoativa devastadora e o aspecto físico, psíquico e ambiental em que se dá seu o consumo é degradante. Tem um poder muito elevado de provocar dependência – as substâncias de maior risco mais imediato são a heroína, o próprio crack (que é derivado da cocaína) e a nicotina. Como toda substância que tem ação no SNC tem potencial de causar comportamentos impulsivos e agressivos – consequentemente comportamento relacionado a atos de violência. Então, nesse caso se justifica o argumento do Dr. Dráuzio: “melhor tratarmos antes de serem criminosos”. Vamos, contudo, abrir mais o leque dessa discussão. Se tomarmos como exemplo uma outra substância psicoativa, o álcool, a polêmica se alarga. Estudos apontam que entre 35 e 66% dos atos de violência doméstica, o agressor havia utilizado  bebida alcoólica. Então, se seguirmos o raciocínio do Dr. Dráuzio teríamos que criar incontáveis leitos de hospícios e reduzir significativamente a população carcerária, internando involuntariamente os bebedores, inclusive, os bebedores ocasionais...  . Seria, enfim, a efetivação da psiquiatrização dos problemas da esfera criminal e social. Faríamos como no conto “o Alienista” de Machado de Assis:  internar todos os insensatos (a maioria da população) na casa Verde – um hospital psiquiátrico modernamente equipado dentro dos padrões do século XIX. Simão Bacamarte, o psiquiatra-personagem principal, sem sombra de dúvidas, internaria compulsoriamente até os tabagistas, sob a sensata alegação de que estão tentando continuamente se matar.


O problema do crack é realmente um tema de extrema gravidade, mas não devemos por o carro na frente dos bois nem se utilizar do provérbio “para o desespero: remédio heróico” – pois como nos diz o pintor espanhol Goya num de seus “caprichos” (uma série de suas gravuras) “o sonho da Razão Produz Monstros”.  Precisamos, inicialmente, ofertar o tratamento adequado a quem o quer, o que ainda está longe de acontecer, disponibilizando  leitos de desintoxicação, albergues, ambulatórios, orientações em áreas de risco,  tratamento em regime comunitário, e internar involuntariamente apenas as situações excepcionais em que haja quadros de psicose desencadeado pelo uso contínuo de drogas ou de extremo (imediato) risco de causar dano a si ou aos outros. Ainda assim por curto período de tempo - até o momento em que o sujeito possa decidir sobre o destino do seu tratamento. Deixar pacientes internados por meses ou até mesmo anos em instituições de precárias funcionalidade sem o desejo ou a adesão por parte do paciente é jogar dinheiro no lixo, ou melhor, no bolso daqueles que dizem que a privação ou o encarceramento do sujeito é o melhor tratamento. Sabe-se de muitas instituições que o encarceramento é maior e mais restritivo que no sistema prisional brasileiro.  Como no filme americano deve existie interesses espúrios por traz, pena que se tem poucas pessoas com a estética "Tom Cruiser" para serem defendidas ou vingadas no momento oportuno.

Marcos Creder

Nenhum comentário: