domingo, 16 de dezembro de 2012

EU: MEU INSEPARÁVEL E MELHOR AMIGO



                A palavra solidão tem enorme peso. Só em pensar sentimos correr pela espinha um arrepio de medo, às vezes até de pavor. Ninguém, de sã consciência, quer se sentir sozinho e em solidão. Mas será que ficar sozinho tem de ser algo tão maléfico assim? Será que estar solitário tem de ser sempre relacionado à melancolia ou tristeza, abandono ou rejeição? Não creio. E sobre isto versaremos agora.
                Solidão não é somente uma palavra, mas um sentimento. Sentimento que nos faz sentir sensações de vazio. Quando se sente solidão a pessoa sofre a dor psíquica de se sentir ilhado e isolado. Contudo, não confundamos solidão com estar sozinho ou desacompanhado, pois a solidão é o típico sentimento que tem estreito relacionamento com a falta de identificação com o outro. Por isto é tão comum falarmos de solidão urbana, ou até mesmo de solidão a dois em alguns casais, por exemplo. Neste aspecto estar sozinho por vontade própria não é solidão, ou seja, não significa que a pessoa esteja sentindo-se abandonada e refutada pelo mundo. A solidão é debilitante, principalmente se prolongada. Não é o caso de quem prefere estar sozinho por um tempo, pois isto é ou pode ser bastante fortificante e reparador. Solidão gera sofrimento; estar sozinho gera reflexão, aprofundamento e criatividade.
                Estar sozinho pode muito bem ser uma experiência positiva e gratificante, afinal é ou pode ser prazeroso estar consigo mesmo e mais ninguém. A este voltar-se a si, ficar sozinho consigo mesmo, chamaremos de solitude. Solitude se diferencia de solidão. Em termos bem sucintos solitude significa um espaço psicológico de privacidade e intimidade consigo próprio. A solitude, ao invés de solidão, embora represente como a segunda distanciamento, isolamento e reclusão, não é promotora de sofrimento. A solitude é uma reclusão de caráter voluntário quando a pessoa retira-se dos ruídos e barulhos do cotidiano em busca de paz interior. Ao contrário da solidão é que nesta o sujeito anseia por companhia, e na solitude a companhia buscada é a companhia de estar você com você mesmo.
                O dia a dia é impregnado de distrações que muitas vezes acabam nos alienando de quem somos. Procurar, às vezes, o silêncio externo não representa estar em silêncio, afinal dentro de todo ser humano há muitas vozes, algumas até sussurrantes. É necessário, pois, calar o mundo para encontrar nossa mais autêntica fala. É quase como naquele provérbio oriental que diz que devemos escurecer para achar o brilho da mais tênue luz. Ou como sabiamente escreveu Santo Agostinho: “não saias fora de ti, volta-te a ti mesmo; a verdade habita no interior do homem” (in interiore homine habitat veritas).
                Introversão e interioridade; é disto que estamos abordando, e é isto que verdadeiramente nos propicia a experiência de conhecermos e sermos quem realmente somos. Não existem monstros dentro de nós, apenas alguns fantasmas. O que convecionamos chamar de inconsciente não é um buraco negro cheio de demônios e pulsões, nem somos em nosso âmago tão malignos assim. Sim, somos ou podemos ser bons, da mesma maneira que somos ou podemos ser maus, inclusive conosco mesmos. Quanto mais nos conhecemos melhor podemos escolher. E é aqui que reside a riqueza e a qualidade da conversa interior. Quanto mais dialogamos conosco mais vamos conhecendo a pessoa que nos habita. Esta pessoa, tantas vezes negligenciada ou esquecida, é alguém com quem podemos de fato contar. O Eu de cada um de nós, o Eu de todos nós, é um Eu multifacetado. Quanto mais sabemos transitar por nossos labirintos internos e interligar cada pedaço de nós mais nos potencializamos, inclusive emocionalmente. Isto facilita certa blindagem contra a solidão, afinal somos a melhor companhia de nós mesmos.
                Interessante assinalar que recentemente foi lançado na praça o livro “O Poder dos Quietos”, da escritora americana Susan Cain. Nele ela afirma que as grandes ideias, descobertas científicas e obras artísticas e literárias da humanidade vieram de pessoas introvertidas, como Einstein, Newton, Yeats, Proust, Spielberg, Chopin, Gandhi, entre tantos. “sem os introvertidos, não haveria a teoria da relatividade, os noturnos de Chopin, o Google”, afirma. Perde-se muito tempo e energia querendo-se ser o centro da atenção, quando o centro da atenção é a pessoa que está dentro de cada um de nós.
                É cá dentro que encontramos a sensibilidade, a criatividade e o controle de nossas emoções. É também aqui dentro que estão as ideias e os pensamentos, assim como os sonhos, as fantasias e os desejos. Mais importante do que querer TER um companheiro(a), TER um bom salário, TER filhos, TER um milhão de amigos, TER uma casa e um carro novo, TER felicidade, é SER um companheiro(a), SER um bom profissional, SER pai, SER amigo, saber SER consumidor, SER feliz. O TER é encontrado fora, já o SER dentro.
                Engana-se aquele que achar que dentro de uma pessoa só consigo mesma há solidão. Não, quando se está só é solitude. Dentro de mim mesmo, por exemplo, existe uma multidão de Joaquins, alguns eu conheço, outros ainda não. A consciência de me conhecer mais não somente me agrega qualidades que não sabia existir, mas também me proporciona o agradável sabor de minha companhia e o poder de sentir que comigo eu passo bem demais, embora assim sabendo queira estar muitas vezes com outras pessoas. Isto é escolha.
                São tantas as emoções que nos habitam e quanto mais se lida com elas mais se amadurece. Conhecer a identidade de quem se é nos faz mais lúcidos, coerentes e verdadeiros. Ou teria sido à toa aquele sábio aforismo inscrito no pórtico do Oráculo de Delfos na Grécia Antiga “conhece-te e ti mesmo”? Não são nas baladas, festividades, facebooks e agitos que vamos nos conhecer. Lá nos fazemos ser vistos e vemos pessoas. Mas é cá, aqui dentro, que nos vemos e nos vendo nos conhecemos. Nas infindáveis imensidões de nossas interioridades reside a força que nos impulsiona para frente e para nos expandir no mundo e na vida. Sabendo melhor e mais profundamente quem somos saberemos melhor viver condizentes com quem somos e o que queremos. É na verticalização da alma que se produz a horizontalização do agir, afinal e legitimidade de nossa existência tem a ver com ser congruente, isto é, saber se escutar, compreender-se e aceitar quem somos. Sentir o que se passa em nós, experimentar ser você e tomar conhecimento de si, são pré-requisitos para se comunicar com o mundo autenticamente. Afora isto, se é um farsa, uma máscara que se gruda ao rosto e inibe a face, uma pseudopessoa, um falso self.
                E como não findar (devido ao parco espaço) sem, mais uma vez, a voz de Fernando Pessoa a ecoar em meus ouvidos por meio dos versos do poema “Eu, eu mesmo...”:
               
Eu, cheio de todos os cansaços
Quantos o mundo pode dar. –
Eu...
Afinal tudo, porque tudo é eu,
E até as estrelas, ao que parece,
Me saíram da algibeira para deslumbrar crianças...
Que crianças não sei...
Eu...
Imperfeito? Incógnito? Divino?
Não sei...
Eu...
Tive um passado? Sem dúvida...
Tenho um presente? Sem dúvida...
Terei um futuro? Sem dúvida...
A vida que pare de aqui a pouco...
Mas eu, eu...
Eu sou eu,
Eu fico eu,
Eu...
                Por isto, peço: deixem-me de vez em quando quieto no meu canto sossegado. Não estou triste nem ensimesmado. Apenas pensando. Conhecendo-me. Conversando com meu mais fiel e solidário amigo: eu mesmo.


Joaquim Cesário de Mello