sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

CESTA DE VERSO & PROSA


A MELANCOLIA DA FLOR BELA

     Existem poetas que representam a voz de sua geração. Existem poetas que foram moda, mas que ficaram tão descartáveis e desusados como aquele velho aparelho de celular. Também existem poetas que perpassam sua época e continuam gerações após gerações. É de um destes poetas que estamos reservando espaço agora no LiteralMente. Ele, ou melhor, ela (pra nós poeta é comum de dois gêneros, sem essa de poetiza), é Florbela Espanca, poeta portuguesa nascida em 1894 e morta em 1930. Florbela e sua poesia são mais do que um poeta e seus poemas; ambos se transformaram em mitos. Embora os menos letrados desconheçam a poeta, é bem provável que de sua fonte já bebeu, principalmente com uma das mais conhecidas músicas de Fagner, Fanatismo (1981) - sim, Fagner já foi um artista não brega. Lembram? :“Minh’alma, de sonhar-te, anda perdida/meus olhos andam cegos de te ver!/Não és sequer razão de meu viver,/pois que tu és já toda a minha vida.”
                Nascida Flor Bela de Alma da Conceição Espanca, Florbela viveu sua curta vida de maneira inquieta e tumultuosa. Suas separações conjugais, as desilusões amorosas, o aborto involuntário e a morte trágica de seu irmão minaram sua saúde mental que fragilizada levou-a ao suicídio.
                Sua obra poética retrata bem seus sofrimentos, frustrações e conflitos internos. Em seus textos destacam-se a dor, a solidão e a desilusão, aliados a uma rara capacidade de ternura e um intenso anseio de felicidade plena. A passionalidade presente é sua marca e assinatura e de seus padecimentos e pesares extravasa-se líricos respingos de sensualidade. Poeta da paixão e dos excessos seus poemas são de uma pessoalidade sedutora que coloca o leitor, apanhado pelo magnetismo de seus versos e temas, como que cumplices emotivos de suas tristezas, amores e saudades.
                Embora Florbela tenha carnalmente vivido pouco mais do que três décadas, sua criação e frutos se tornaram eternos.

Os versos que te fiz

Deixa dizer-te os lindos versos raros 
Que a minha boca tem pra te dizer !
São talhados em mármore de Paros
Cinzelados por mim pra te oferecer.

Têm dolência de veludos caros,
São como sedas pálidas a arder ...
Deixa dizer-te os lindos versos raros
Que foram feitos pra te endoidecer !

Mas, meu Amor, eu não tos digo ainda ...
Que a boca da mulher é sempre linda
Se dentro guarda um verso que não diz !

Amo-te tanto ! E nunca te beijei ...
E nesse beijo, Amor, que eu te não dei
Guardo os versos mais lindos que te fiz!

Horas rubras


Horas profundas, lentas e caladas

Feitas de beijos sensuais e ardentes,

De noites de volúpia, noites quentes

Onde há risos de virgens desmaiadas…


Ouço as olaias rindo desgrenhadas…


Tombam astros em fogo, astros dementes.

E do luar os beijos languescentes

São pedaços de prata p’las estradas…



Os meus lábios são brancos como lagos…

Os meus braços são leves como afagos,

Vestiu-os o luar de sedas puras…


Sou chama e neve branca misteriosa…

E sou talvez, na noite voluptuosa,

Ó meu Poeta, o beijo que procuras!


Quem?

Não sei quem és. Já não te vejo bem... 
E ouço-me dizer (ai, tanta vez!...) 

Sonho que um outro sonho me desfez? 

Fantasma de que amor? Sombra de quem? 



Névoa? Quimera? Fumo? Donde vem?... 

- Não sei se tu, amor, assim me vês!... 

Nossos olhos não são nossos, talvez... 

Assim, tu não és tu! Não és ninguém!... 



És tudo e não és nada... És a desgraça... 

És quem nem sequer vejo; és um que passa... 

És sorriso de Deus que não mereço... 



És aquele que vive e que morreu... 

   És aquele que é quase um outro eu... 

   És aquele que nem sequer conheço... 



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