domingo, 23 de dezembro de 2012

Da Globalização e seus Navegantes


A palavra “globalização” é por demais utilizada e já desgastada nesses tempos de século XXI, e, representa tudo que há de novo nas relações humanas individuais, sociais, políticas e econômicas.  Alguns supõem que a inauguração do mundo globalizado se deu com a internet, outros com a expansão redes de telecomunicações – todas ocorridas no século XX.   As conseqüências do mundo globalizado, já tão discutido, levariam a essa tendência “desumana” de convivência, que, paradoxalmente, aproxima e distancia as pessoas de seus grupos sociais, tornando predominante a cultura do individualismo, da desvalorização dos eventos culturais regionais e do achatamento universal de valores éticos.   Isso tudo já foi dito e discutido em algum lugar.
                                              
Recentemente li um livro que tenta refazer os primórdios dessa globalização sob um aspecto não tão recente da História.   Esse texto se inspira  nas pinturas holandesas do século XVII de Johannes Vermeer (1632 – 1675) - conhecido pelo famoso quadro “A Moça do Brinco de Pérola” – que, por sinal, não consta entre os quadros analisados no livro.



Ao se contemplar com uma obra de arte, tenta-se, entre outras coisas, fazer uma ponte entre a imagem da tela e a nossa experiência de vida. Se se tomasse como exemplo o quadro de Leonardo Da Vinci “a Virgem das Rochas” (ver acima), um anatomista admiraria o realismo do corpo das crianças, um cristão católico relacionaria  a uma cena bíblica correspondente, um crítico de artes aos elementos do quadro renascentista, um biólogo ou um geógrafo estudaria a vegetação e a topografia, e assim por diante.

Outros, muitos aliás, remontam a cena histórica. E foi assim que fez o historiador canadense Timothy Brook ao contemplar os quadros de Vermeer.  Parece um pouco contraproducente fazer um estudo histórico de cenas tão domésticas, irrelevantes e aparentemente tão escassas de informações como os quadros desse pintor.  No entanto, como os olhos eram os olhos de um historiador, “O Chapéu de Vermeer : o século XVII e o começo da globalização” – o título do livro – faz uma sobreposição extraordinária entre pinturas e o recorte histórico daquele tempo.  Uma louça ou um tecido sob a cama, a textura de um chapéu, um brilho de moeda, entre tantos detalhes, fizeram com que o autor inventariasse objetos e hábitos do século XVII e, ainda mais, elevou às telas  a cartões de visitas de um século de grandes transformações.

Brooks, que é especialista em história da China, toma, de cada detalhe de uma pintura, uma aventura mundial. A tão recusada e temerária ideia de que a terra é redonda, defendida por Copérnico no século anterior, foi definitivamente comprovada nas grandes navegações comerciais.   A ideia de globo se inicia nesse momento, assim como a globalização comercial e transcultural. Brooks consegue em determinadas ocasiões capturar de um único quadro elementos da Europa, das Américas e do Oriente.  Esmuiça-se, no livro, as relações comerciais e de como a expansão mundial trouxe importantes mudanças na sociedade do mundo europeu.  A expansão se deu por transporte marítimo, embarcações em arriscada e precaríssimas condições de navegação.

Um fato curioso, que o livro  discorre em minucia, foi a rápida mundialização do fumo trazido, originalmente, das Américas, que em apenas algumas dezenas de décadas – muito mais rápido do que algumas tecnologias do século XX -  já tinha se disseminado por toda Europa e Oriente.  O fumo era tão admirado e elogiado naqueles tempos que os chineses quiseram trazer para si a descoberta dos efeitos do  tabaco, incluindo-o, inclusive, em seu panteão mitológico, com deuses ancestrais supostamente tabagistas. Os europeus mantendo mesmo entusiasmo, destacaram os  efeitos medicinais do fumo.  Essa curiosidade desperta-me sentimentos ambíguos, de incertezas e – porque não? – na ingenuidade da humanidade em relação a algumas descobertas da ciência, quando uma comunidade é seduzida por promessas de prazer e por elixires mágicos vindo de “Novos" e de velhos mundos. Assusta-me pensar que se esperou por quase quatro séculos para se saber dos danos provocados pelo tabagismo e que o pensamento dominante podia ser ilustrado pela seguinte passagem: 

De todos os dons da natureza, o tabaco foi mais potente fator social, o mais eficiente pacificador e o maior benfeitor da humanidade. De todos os luxos é o mais democrático, e o mais universal; contribuiu em grande parte para  democratizar o mundo”.

 Esse fragmento de texto foi escrito pelo sábio alemão Berthold Laufer sobre a história do fumo em – pasmem – 1924, ou seja, há menos de noventa anos.


Marcos Creder

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