domingo, 25 de outubro de 2020

QUEM DIRIA, MAIS UMA VEZ A POESIA




 Faz tempo que não vejo um jovem que demonstre ler poesia. Não que não haja jovens que apreciem poesia, mas parecem tão poucos e parcos que beiram a ser invulgares. Nasci em um Recife nutrido de poetas. Cresci em meio a Bandeiras e Cabrais. Em minha casa de meninice haviam Carlos Pena Filho, Mauro Mota, Audálio Alves, Carlos Moreira, Geraldino Brasil, Joaquim Cardoso e meu próprio pai. Depois vieram-me Alberto Cunha Melo, Tereza Tenório, Marcus Accioly, Lucila Nogueira, Ângelo Monteiro. Adulto jovem compartilhei pelas periferias da efervescência dos anos 80 e do Movimento e Escritores Independentes. Bebemos juntos, Francisco Espinhara, Eduardo Martins, Cida Pedrosa, Héctor Pellizi, Dione Barreto, Manoel Constantino, Inaldo Cavalcanti e tantos outros que gravitavam nos perímetros imensos da  Livro 7 e do Beco da Fome. Assim, eu, que também morei menino na Rua da União, pensei que minha cidade poética era impregnada de eternidade. 


Os anos passaram e os poetas morreram ou envelheceram. A poesia parecia ter-se ido pra debaixo das pontes - como em um poema meu dos idos 80. Novas juventudes surgiram frente às minha retinas fatigadas, e uma após outra foram diminuindo aos poucos de tamanho. Prefigurava-me, assim, desaparecer entre o bolor dos meus puídos livros de poesia. 


Sim, Recife hoje é famélica de novos bardos e trovadores. Porém o mundo não. Além do firmamento e do farol do porto existe poesia. Lá do distante frio glacial da Suécia novamente a poesia é laureada com o Nobel de Literatura. Neste ano foi através do nome da poeta norte-americana Louise Glück, anteriormente merecedora do Prêmio Pulitzer, da Medalha Nacional de Humanidades e do Prêmio Bollingen. Entre o onírico e a realidade, então, mais uma vez a poesia. E com vocês um pouco de Louise Glück


Gosto de pequenas gentilezas.
De fato as prefiro à gentileza mais
substancial, que está sempre a te cravar os olhos,
feito um grande animal sobre o tapete,
até que tua vida inteira se reduza
a nada além de levantar manhã após manhã
embotada, e o sol luminoso rebrilhando em seus caninos".
(Gratidão)
* * *

“Dizer eu não sinto medo –
Não seria honesto.
Sinto medo da doença, da humilhação.
Como todo mundo, tenho os meus sonhos.
Mas aprendi a escondê-los,
Para me proteger
Da realização: toda felicidade
Atrai a fúria das Sinas.
Elas são irmãs, selvagens –
No final, não há
Emoção, mas inveja.
(Confissão)

Joaquim Cesário de Mello

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