terça-feira, 10 de novembro de 2020

NOVEMBRO

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Dizem as antigas tradições que novembro é o mês em que os deuses do amor se reúnem para decidir o destino amoroso dos mortais. Pois é, quis o destino que eu nascesse em um distante novembro do século passado. Desde então, para mim, todos os meses e todos os dias são novembro. Não aceito desaparecer em um mês que não seja novembro. Se em novembro aqui cheguei, se em tantos novembros aqui vivi, é justo que novembro seja o dia do meu definitivo acabamento. Que em minha lápide um dia se escreva: aqui jaz um homem que viveu entre dois novembros
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Novembro é o mês em que todos os meus anos se encontram. Em novembro sou menino, homem, adulto, velho e não sou ninguém. Em novembro não tenho idades; somente saudades. Reabre-se em mim a janela da nostalgia de todos os meus mortos: os antigos, os recentes e os futuros. Em novembro vivo de lembranças e evito cumprimentos. Sou como Fernando Pessoa que dizia: "No tempo em que festejavam os dias dos meus anos,/eu era feliz e ninguém estava morto". Sou sobrevivente de mim mesmo e de minha história. Estou durando, mais do que antes pensei que durasse. Porém não estou melancólico, carrancudo ou tristonho. Estou jovial neste meu corpo envelhecido de tempo. Estou feliz, seja lá o que isso for. Espero poder assim continuar e um dia sumir em uma terminante noite alada. 
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Estou feliz porque não estou triste. A vida já é algo tão restrito e mínimo para desperdiçar os restantes minutos com o padecer de tristuras. Deixo aos apressados a sofreguidão de tantos açodamentos, Hoje não tenho mais pressa, afinal à frente me espera o nada, o vazio e a coisa nenhuma. Deixem-me, pois, quieto aqui neste novembro. Há aqueles que aspiram eternidades. Não eu. Modestamente desejo apenas a infinitude do mês em que nasci. Deveríamos nascer para não ter fim. 

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Que me perdoem os incautos. Não ousem ligar-me para lembrar do adiantado das horas. Já me basta o escoar persistente da areia da ampulheta a esbranquiçar meus minguados restantes fios de cabelo. Deixem-me apreciar em silêncio este mês tão interminavelmente temporário. Não quero vozes, cartões ou mensagens. Tão só, quero-me. No dia da minha data banquetear-me-ei com as lembrança, os sonhos, os desejos, as esperanças, meus fantasmas...e mais ninguém. Já me são tantos os convivas a saborear o festim dos meus derradeiros natalícios, e não há espaço para mais nenhum presente. Não queiram brindar-me com perfumes, camisas ou quinquilharias; afinal possuo tudo o que quero: desde a mulher que escolheu comigo envelhecer, de  quem tenho a presença dos finos traços de seus afetos delicados, à minha filha única e de mim herdeira, de onde terei a imortalidade que ora não possuo guardada sempre em sua memória.


Existo e habito entre o que não consegui ser e o que nunca serei. De todos os irmãos que nunca tive e jamais terei sou o mais diferente. A moldura em que me pintei não há igual. Deve ser por isso que muitas vezes faço tudo ao contrário, menos voltar pra trás. E já se vão uma dúzia de lustros. Mais da metade, bem mais, da caminhada. A estrada em que sigo não há calçadas nem beiras. À frente esperam-me aqueles que festejavam os dias dos meus anos de menino.

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De novembro à novembro prolongo-me um pouco mais. Porém neste novembro que se descortina terei a idade última do meu pai. Saúdo-te, pois, novamente novembro. Em breve despedir-me-ei de ti e serás mais um mês a fazer parte do meu baú de ossos. E quando a melancolia de dezembro de mim outras vez se apoderar, é que ainda estou aqui e estou vivo. Ainda bem...


Joaquim Cesário de Mello

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