terça-feira, 18 de agosto de 2020

RANK E O PARAÍSO PERDIDO

Resultado de imagem para angustia primordial, rank




Otto Rank é um injustiçado na maioria dos cursos de Psicologia. Ele é rapidamente citado e quase sempre somente no tocante ao seu rompimento com Freud devido sua visão de que o trauma do nascimento era mais importante do que o conflito edípico. Para Rank o nascimento nos coloca frente à angústia primal, isto é, a primeira experiência de angústia humana advinda da sua primeira vivência de separação da mãe. Daí, afirmava Rank, originava-se a raiz das fobias infantis.

Resultado de imagem para angustia primordialPara este psicanalista austríaco (nascido em 1884 e morto em 1939) a angústia primal era resultado da separação de um ambiente (uterino) agradável para um novo e inicialmente hostil (ambiente extrauterino) mundo que se descortinaria a partir do parto. A separação física da mãe e as repentinas mudanças fisiológicas adaptativas frente a um novo ambiente geraria a "ansiedade primordial", nos dizeres de Otto Rank. O nascimento biológico, assim, analogamente seria uma espécie de expulsão da Paraíso. Rank é tão quase esquecido que o wikipédia, por exemplo, lhe dedica apenas magras quatro linhas.
Resultado de imagem para otto rank, , livro

Sim, Rank é um nome injustamente secundarizado nos cursos de Psicologia de um modo geral, não obstante sua importância e influência haver se espalhado no mundo da Psicologia pós-freudiana. Só para se ter uma visão panorâmica, Rogers certa vez confessou "eu me contaminei com as ideias de Rank". Rollo May (um dos criadores da chamada Psicoterapia Existencial), por sua vez, escreveu: "sempre achei Otto Rank o grande gênio irreconhecido no círculo de Freud". Paul Goodman (para quem não sabe um dos co-fundadores da Gestalt-terapia ao lado de Fritz Perls) utilizou o modelo aqui-agora de Rank no manejo de seus trabalhos clínicos. Até a Psicologia Transpessoal deve parte de suas bases a Rank. Um dos livros mais instigantes dos último cinquenta anos, "A Negação da Morte" (prêmio Pulitzer), do antropólogo cultural e escritor Ernest Becker, encontra lastro nas concepções Rankianas.
A Negação da Morte - ernest becker

Rank evidentemente não é o primeiro a destacar o papel da mãe para o desenvolvimento do ser humano, mas ao realçar a mãe como ponto de partida original tanto para o bem-estar (útero) quanto para a dor (nascimento) Rank se sobressai. Neste sentido sua proposta psicoterápica visa superar a fixação materna primária, sendo o psicoterapeuta uma espécie de parteiro especializado, com vistas a propiciar ao paciente o surgir na sua individualidade renovada. Expliquemos melhor.
Resultado de imagem para nascimento, pintura

Segundo Rank o neurótico é aquele que não conseguiu, ainda na infância, superar o trauma do nascimento. Se para ele a angústia primordial é a base para todas as ansiedades ou medos subsequentes, todo prazer, portanto, é sustentado no desejo do prazer em reeditar o bem-estar vivido no "paraíso perdido", ou seja, na situação intrauterina (recuperar o estado original). Dentro de tal perspectiva o tratamento psicoterápico é uma experiência de união e separação.

Rank acredita no ser humano como um artista que cria sua personalidade, sendo a pessoa neurótica aquele que falhou nesta tarefa criativa. O movimento do estado de união para o de separação é um ato de vontade. Ao escolher rumar para o desconhecido (crescimento) a pessoa confirma sua própria individualidade. Para Rank separar-se (desenvolver a personalidade) envolvia "medo da vida". Em sua concepção dialética a força propulsora é a vontade que é entendida como força criativa. Um indivíduo preso em sua neurose embora possuam vontade não consegue reconhecer seu desejo. A terapia, então, tem como objetivo "destampar" os bloqueios para que o sujeito possa assumir a responsabilidade de sua própria vontade. Talvez tenha sido Rank o primeiro a dar importância e destaque ao aqui-agora da sessão terapêutica. Concentrar-se exageradamente no passado - propunha ele - era uma maneira de fugir do presente. Com isto criticava ele o abuso psicanalítico da interpretação da transferência.
Resultado de imagem para individualidade

O nascimento da individualidade como vontade autônoma passa pelo nascimento do indivíduo que é gerado pelo social até o novo nascimento que é sua obra criadora pessoal, Atualmente chamamos tal renascimento de florescimento. O sentimento de ego, portando, é para Rank o sendo da totalidade do sujeito e, enquanto não alcançado, este é somente um sujeito parcial em sua relação com a vida e o mundo. A emancipação é, pois, uma manifestação da vontade e uma libertação da dependência psíquica. 
Resultado de imagem para otto rankO nascimento é tomado como uma metáfora para todo processo de separação-individuação. Ao enfatizar mais a importância da mãe do que do pai, Rank promoveu um novo caminho dentro do pensamento freudiano. Rank, até mesmo antes de Rogers, propunha uma terapia relacional. Ele, à época, renova a proposta psicanalítica oferecendo uma técnica de abordagem ativa, conjuntamente com Ferenczi. Sua influência é clara e visível tanto entre Melanie Klein e os demais kleinianos, como em Winnicott e Bolby. Pode-se impor a ele também uma certa paternidade às psicoterapia breves, visto sua terapia ativa ser preconizada para tratamentos curtos (em relação à Psicanálise clássica) e limitados previamente no tempo. Seu centramento no presente igualmente nos evoca o posterior conceito de "foco terapêutico".

Pois é. O antes "filho favorito" de Freud nos primeiros anos  do século XX, virou o "filho proscrito" da Psicanálise. Como disse certa vez o também médico e escritor espanhol Gregório Marañón, "ninguém mais morto do que o esquecido".

Joaquim Cesário de Melo

Nenhum comentário: