sábado, 22 de agosto de 2020

POR DETRÁS DOS VIDROS






Penso-me protegido
por detrás das vidraças das minhas janelas
aqui onde ventos não me assanham cabelos
nem o frio das ruas arrepiam-me a pele.

Como se nada me atingisse
vou-me iludindo de infinitudes
e são tantos e tantos os intermináveis dias
que haverei um dia de romper
os limites quebradiços dos meus espelhos
ou sucumbir sufocado de infância e eternidade.

Engordo-me em armaduras de cristais
sem saciar nenhuma fome ou sede
e enorme vou ficando de tão cheio
das imensidões das lembranças inapagáveis.

Quisera como por um breve instante
passageiro e repentino até
poder deixar de ser eu e minhas inquietudes
e respirar sem o abafado cansante das interioridades.

Gostaria que assim liberto de mim
dissolver-me líquido e lento
como esta furtiva lágrima
que me escorre a face e ninguém vê
nem mesmo a mulher que me dorme ao lado.
 


Joaquim Cesário de Mello

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