domingo, 3 de julho de 2016

SOPÉS DO ACANHAMENTO




Por estas bandas é comum chamarmos alguém tímido de acanhando. Além de acanhado ser sinônimo de timidez, representa algo de tamanho limitado, estreito, menor que o desejado. Vai ver que um tímido é isso mesmo: uma pessoa que ainda não se desenvolveu bem.
Com certeza a timidez atrapalha a vida de muita gente que se sente tímida. Sua vida vai se resumindo de muitas inibições, travamentos e sub-realizações, afinal a timidez é um estado emocional que nos barra e nos impede de ir mais adiante. Pode ser definida como um desconforto psicológico frente a situações de interação social que interfere na funcionalidade do indivíduo. Um tímido não é somente um calado de boca, mas um calado de pensamentos e sentimentos, visto a dificuldade de expressá-los naturalmente. Sabe aquela vergonha de levantar a mão em sala de aula e de fazer uma pergunta ao professor? Que numa roda de conversa geralmente fica ali meio que no cantinho? Pois é, e como é que tudo começou? Será que somos assim desde o nascimento? Será que pau que nasce torto morrerá torto?


Parafraseando a célebre frase de Simone de Beauvoir "não se nasce mulher, torna-se mulher", ninguém nasce tímido, torna-se tímido. Sim, há bebês que desde cedo demonstram um temperamento introvertido, mas isto não o faz a ser condenado a ser um adulto tímido. Temperamento sozinho não existe. Sabe aquela outra frase do Ortega Y Gasset? Aquela que diz "eu sou eu e as minhas circunstâncias"? Uma vez que bebê sozinho não existe, afinal ele sempre necessitará de um ambiente cuidador, o temperamento, que é uma tendência disposicional, em muito dependerá das respostas do meio em que se vive e se desenvolve a iniciante pessoa humana. 

O nosso molde sofre influência do seio familiar em que se vive, ou mais precisamente dos padrões comportamentais de nosso grupo primário, geralmente a família. Se o ambiente em geral tem sua importância, especificamente vital é o principal objeto cuidador ao qual chamamos de MÃE. A mãe, neste sentido, tem papel primordial nas inibições e timidezes de seu filho, seja para o bem, seja para o mal. Em termos positivo podemos resumir que uma mãe que estimula, sem forçar, seu filho inatamente retraído a participar de outros ambientes e que lhe passa confiança e apego seguro que o auxilie a buscar e explorar o mundo está contribuindo para que o filho possa sair do casulo protetor e quietante da dependência, estimulando-o à ampliação de contatos sociais e diminuindo a inibição excessivamente introvertida inicial.
A palavra timidez já nos oferece uma pista sobre sua raiz primeira. Timidez vem do latim timiditas que, por sua vez, origina-se do termo timor. Timor significa medo. Desse modo, essencialmente timidez é medo. Porém não só de medo se faz a timidez, visto que duas outras emoções estão a ele ligadas, que são: vergonha e embaraço. Enquanto o medo é uma emoção primária, vergonha e embaraço são emoções secundárias, mais precisamente conhecidas como emoções sociais, isto é, desenvolvidas através de contatos interpessoais e experiências sociais. Não se pode tentar estudar e compreender o desenvolvimento do ser humano deixando de lá suas bases biológicas e as variações ambientais. A importâncias de ambos são solo onde edificamos desde o primeiro ano da infância o edifício nomeado de pessoa. Ali, em nossos primeiros contatos com o mundo externo, começamos quem seremos. E já começamos sendo um corpo que antes de nascer foi gestado e traz consigo sua herança genética. Aqui enfatiza-se as bases constitucionais, todavia há igualmente as bases adquiridas. Nature e Nurture. Biologia e ambiente. Eis os pontos de partida para o caminhar do crescimento e do desenvolvimento de cada um de nós: uma complexa interligação entre o que nos é dado (biologia) e o que adquirido (ambiente).
Em princípio timidez nos remete à insegurança e pouca autoconfiança. E isto começa a se construir no início da formação de nossa personalidade, isto é, na infância. Talvez experiências adversas vividas no desenvolvimento de uma pessoa gere um fechar-se em si mesmo defensivo. Um ambiente familiar muito repressor pode provocar um gradual comprometimento na autoestima e na auto-imagem, e a pessoa que vai se formando dentro de um corpo vivo edifica-se sufocadamente. A timidez se instala silenciosamente e transforma também a alma, silenciando-a. a timidez é, tal qual diz o poeta Pablo Neruda, é "como se tivéssemos duas epidermes e a segunda pele interior se irritasse e contraísse perante a vida".


Em interessante estudo realizado por Lynne Crowford e Linda Taylor (2000) aponta que cerca de 60% das pessoas são tímidas. O número elevado é socialmente ocultado pelo retrair silencioso como 0 tímido se comporta, buscando na maioria das vezes passar desapercebido pelos demais. O medo da rejeição é grande e a fantasia de que os outros focam em seus pontos fracos e ruins predomina. Essa retirada muda em detrimento a exposições sociais é descrita no seguinte texto de um poema de Cecília Meireles ("Timidez);
"Para que tu me adivinhes, 
entre os ventos taciturnos, 
apago meus pensamentos, 
ponho vestidos noturnos, 
— que amargamente inventei. "
Joaquim Cesário de Mello

Um comentário:

Unknown disse...

Interessantíssimo a reflexão .