domingo, 26 de junho de 2016

a tragédia Midiática


Andei lendo alguns textos aqui do LiteralMente e um deles, um dos últimos, me interessou bastante, o texto de Joaquim intitulado “ O Bom Cidadão”. Nele se  trata de um tema que vem me despertando interesses: as tentativas de entendimento das vidas de pessoas que, por razões de seus atos de crueldade, foram eleitas as “malvadas” do século XX ou, quem sabe,  as mais malvadas da História. Esses julgamentos considero ainda arbitrários e passionais, não que os malvados não mereçam, mas por várias razões outras, entre elas  a desconsideração eventual a outros “malvados” que sequer são lembrados, ou que se um ou outro recordar, esquece-se o fundamental: os seus atos cruéis. Esse conceito que Joaquim descreveu com precisão, desenvolvido a partir de Hannah Arendt sobre a “banalidade do mal”, é pouco entendido porque, no cerne desse conceito, encontra-se o cidadão mediano, normal, muito mais próximo de nós do que imaginamos.  Seria mais  prudente construir um conceito que transpusesse esses sujeitos ao universo, por exemplo das doenças mentais. Desse modo, “os malvados” seriam loucos ou pessoas com desvio de caráter: melhor chamar Hitler, Eichmann, Gobering, Mengele entre outros, de psicopatas a admitir que são tão normais quanto nós e os nossos entes. Esse  recorte em direção ao patológico é cômodo, mas nos diz pouco, nos distancia das variantes e da pluralidade da condição humana.  Esse conceito de Hannah Arendt não é um conceito psiquiátrico, tampouco destina-se a um alienígena, esse conceito inclui cidadãos comuns, alguns até visto, como diz o título do texto de Joaquim, como “bons cidadãos”.   Estão entre nós, e agora com o privilégio de poder ver as suas opiniões nas redes sociais,  ver os aplausos que geram com suas ideias fascistas. Imagino agora, numa rápida digressão, como seria, por exemplo, o facebook de Hitler - o malvado mais famoso - caso existisse essa ferramenta na época da Grande Guerra. Imagino milhões de seguidores, milhares de likes, e compartilhamentos contagiosos. Há algo de midiático na construção do bem e do mal. vejamos...   


Assisti,  em razão do artigo de Joaquim, ao filme “The  Eichmann Show” e vi que o filme trata pouco do pensamento de Hannah Arendt - a própria filósofa  é deixada de lado nessa nova versão cinematográfica do julgamento do nazista.   Isso contudo, não o desqualifica, pelo contrário,   abre-se outras  vertentes de  discussões que considero  igualmente importantes. Uma dessas vertentes que me despertou  atenção foi  a construção do personagem Eichmann pela mídia.  Se Eichmann por si só já era monstruoso,  a construção midiática quis, por assim dizer, retocá-lo remetendo a ele toda  a estética da crueldade - não basta ser ruim, cruel, desumano, isso tem que ser também construído sob um ideal de que Eichmann está no lado oposto ao nosso - no lugar do inumano. Eichmann é o monstro e nós somos os heróis e, para que essa estética se efetive, há todo um jogo de imagens com direito a  closes e detalhamentos que se sobrepõe as palavras cuja proposta  seria provocar ainda mais repulsa em nós telespectadores/heróis. Talvez a  proposta do diretor de jornalismo - o personagem central - seja realmente capturar o público e oferecer-lhe a sua ideia do monstro/personagem. Desse modo, conclui-se que realmente não haveria neutralidade na imprensa, mesmo quando não se diz palavras. Do mesmo jeito que um roteiro de uma peça teatral,  de uma Tragédia Grega, o jornalismo, traz o mesmo princípio da poética construída por Aristóteles:  temer  os vilões   e compadecer de nossos  heróis, os sobreviventes do holocausto - o somatório disso chama-se catarse.  O jornalismo ganha com isso o estatuto de arte, a arte de expor o trágico e eventualmente a arte de alienar os personagens e os expectadores.  Para evitar a alienação recorramos então ao conceito de banalização do mal de Arendt.














Marcos Creder  

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