domingo, 17 de julho de 2016

A SUSTENTÁVEL LEVEZA DO SER

     Utilizamos a palavra humor em vários sentidos e significados. O anatomista, por exemplo, falará do humor como algo aquoso produzido pelo olho, enquanto que o profissional de saúde mental poderá estar falando como algo associado ao equilíbrio psíquico. Já no entendimento trivial e habitual muitas vezes se usa a expressão humor para designar o estado de espírito de alguém, como quando dizemos “você hoje está de mau humor”. Um comediante, por sua vez, buscará o humor como comicidade. E assim por diante. E nós aqui? Bem, nós aqui vamos explorar o humor enquanto disposição psicológica e um recurso saudável da personalidade que o utiliza e dele se aproveita e tira bons proveitos. Em outras palavras, o humor é aqui entendido como função vital cujas raízes se encontram da alma humana.
     O humor faz parte da subjetividade e contribui para a assertividade da mesma. Um sujeito bem humorado inevitavelmente é igualmente alguém mais tranquilo e tolerante com o mundo, a vida e as pessoas e até consigo própria. O humor é a porta que interliga os sentimentos com a percepção e a sensibilidade. O humor por si mesmo é comprovação do amadurecimento psicológico da pessoa. Permite e possibilita que sejamos sérios e sensatos, mas que percebamos que nossa importância frente às coisas e as coisas frente a nós não é lá assim tão importante em demasia. O humor nos alegra e nos sereniza. É com o humor que podemos descortinar a ludicidade por detrás do circunspecto e o nonsense detrás do solene e da sisudez. Venhamos e convenhamos, embora viver seja uma coisa séria, a vida não é de todo tão séria. Ou como afirmava São Tomás de Aquino: “o humor é necessário para a vida humana”. Alguém aqui se lembra do livro O Nome da Rosa de Umberto Eco ou do filme homônimo Jean-Jacques Annaud nele baseado? Alguém se lembra de que, em meio ao universo lúgubre e fechado dos mosteiros medievais, o segundo livro da Poética de Aristóteles, no qual este faz uma apologia ao valor do riso como parte da essência do homem, era proibido? Rir não é somente um santo remédio, como diz certo adágio popular, porém rir é próprio da natureza humana.
      Freud (às vezes tento me esquivar dele, mas não consigo, é impossível!) mesmo escreveu que o humor é o mecanismo de defesa mais eficaz que temos e que nos permite tanto equilibrar as emoções quanto elaborar as frustrações. Afora ainda que o humor tenha forte função e apelo social. Bem como dizia Kant: “apenas três coisas podem realmente fortalecer o homem contra as atribulações da vida: a esperança, o sono e o riso”.
     O humor nos possibilita e propicia boas lembranças. Ah, se soubéssemos que a vida vivida não é uma vida sobrevivida, pois a vida vivida é aquele em que se vive na contínua arte de se construir lembranças. É no hoje que formamos as lembranças do passado, passado este que sempre nos acompanhará em todos os hojes que viveremos. Viver o presente com graça e leveza nos enriquece a memória de suave graciosidade. Um homem dessa forma edificado não arrasta seus pés no caminhar da vida, mas anda com delicados passos firmes. O humor nos faz pesar bem menos do que uma pluma.
     E de onde nos vem, portanto, esta disposição psíquica ao humor? Da infância, é claro. E não falo da infância do menino ou da menina, mas sim da infância psíquica. A mente originariamente tem qualidades que lhes são primárias e da sua própria natureza infante, entre elas a sua inata capacidade de brincar. A mente é essencialmente fantasmática e lúdica. Observem qualquer criança pequena e vejam como é capaz imaginativa e fantasiosamente de brincar e se divertir com quase qualquer coisa. Esta aptidão e faculdade de trebelhar ou brincar, de imaginar, de inventar e de criar é próprio do psiquismo. E não é porque crescemos e nos tornamos adultos que deixaremos de possuir tais qualidades. Embora adulta seja a pessoa, a mente agora amadurecida tem em si e funciona entre, digamos, dois predicados ou duas polaridades, ou seja: a mente adulta tem propriedades adultas, mas igualmente conserva propriedades infantis. Encurtadamente, para fins do presente texto e parco espaço que ele tem, chamemos de qualidades adultas a responsabilidade, a seriedade, o compromissar e a sensatez entre outras, E as qualidades infantis, como dito acima, a ludicidade, a imaginação, a inventividade, a ousadia, afoiteza e a criatividade, entre outras. Adulteza e jovialidade assim podem e convivem sobre um mesmo teto: o nosso psiquismo. Temos e teremos sempre ao longo de nossas vidas um puer dentro nós.
     A pessoa que se permite puerilizar adultamente – que não é o mesmo que infantilizar-se ou regredir, pelo contrário – é aquela que com inventividade, imaginação, criatividade e pitadas de ousadia e afoiteza, brinca. Um adulto que brinca e com isto ventila a si mesmo e possibilita, inclusive, modos de socialização novos. Um dos principais definidores do humor é exatamente a capacidade que se tem de rir de si mesmo. Ao se achar graça de ser quem se é o sujeito humorado descentraliza-se do próprio narcisismo, bem como de certos ideais reguladores que o social tenta impor. Talvez por isto Freud tenha dito que “o humor não é resignado, mas rebelde”. Sim, esqueci, no polo jovial de nossa mente também habita nossa capacidade de ser rebelde e de revolucionar.
     Prazer e alegria consigo mesmo e com a vida tem no humor seu combustível. A alegria, já dizia Sêneca, é uma coisa muito séria. Devemos levar com seriedade sermos alegres na vida e muitas vezes isso não é fácil, visto que para ser ou ficar triste muitas coisas bastam. Não se busca alegria nas coisas, a alegria vem de dentro de nós. É um estado de espírito, uma postura, um talento desenvolvido ou desinibido, um hábito, uma prontidão, uma aptidão ou tudo isso junto e algo mais até. E não estamos falando (um leitor atento já deve ter percebido) da alegria como resposta a situações e/ou momentos felizes, mas sim da alegria como atividade e ação, afinal a verdadeira alegria não é passividade, porém criação.
   

 Com humor temos menos vergonha, medo e culpa. Com humor somos mais congruentes, autênticos e inteligentes. Circulamos pela vida com a leveza de uma inocência infantil e com a mesma fome do rapaz em explorar e conhecer o mundo além das cercanias que quiseram nos impor. Olhamos nosso redor com olhos de estrangeiro, isto é, somos o tempo inteiro capazes de nos deslumbrar frente ao novo e de se encantar. É parecido como aquele ditado que diz: quem canta seus males espanta. Pois é, cantemos, pois, como aquela música de Violeta Parra eternizada na voz de Mercedes Sosa: 
Gracias a la vida que me ha dado tanto
Me dio dos luceros que cuando los abro
Perfecto distingo lo negro del blanco
Y en el alto cielo su fondo estrellado
Y en las multitudes el hombre que yo amo

      Afinal, venhamos e convenhamos caro(a) leitor(a), um sujeito excessivamente adulto é no fundo um adultopata. Um indivíduo muito normal é um normofílico. E uma pessoa bastante séria é um chato.


Joaquim Cesário de Mello

Um comentário:

Jurema Lisboa disse...

👏👏👏👏👏👏👏