domingo, 8 de maio de 2016

MEXERICOS & ZUNZUNZUNS

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Alguns podem dizer que vivemos em um tempo de boatos e fofocas, principalmente porque vivemos a "era da internet". Porém acaso alguém assim o diga está equivocado. Não, não vivemos um tempo de boatos. O boato e a fofoca acompanham a humanidade desde que a humanidade começou a existir. O professor e escritor de História, Yuval Harari, em seu instigante e recente livro "Sapiens: História Breve da Humanidade", afirma categoricamente: "O fogo deu-nos poder. O boato ajudou-nos a saber cooperar". O boato é por excelência um fenômeno social. Alguém chegou até a dizer que o boato é o meio de comunicação humana mais antigo. Quanto menos se conhece da realidade, ou quanto menos informações fidedignas temos, mais abre-se espaço para o boatar e o fofocar. Sabe aquele tal de "ouvir dizer...". Pronto, prepare-se, muito provavelmente você está frente a um boato ou uma fofoca. Mesmo antes do homo sapiens haver desenvolvido a escrita já havia a fofoca, o boato. 
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A revista Superinteressante certa vez disse que boatos estão presentes em todas as sociedades e "envolvem, na sua propagação, indivíduos de qualquer idade e estrato social. O conteúdo, a dimensão e as conseqüências da mensagem variam segundo as condições do momento em que ela circula. Se um boato se espalha é porque encontra eco nos ouvintes, ou seja, para eles, naquele instante, a história faz algum sentido – não soa como mentira, mas sim como algo crível. Os pesquisadores que estudam o tema não têm dúvidas: trata-se de um fenômeno universal, permanente e necessário para a organização social". E provavelmente tudo começou com o boca-a-boca, isto é, quando nossos ancestrais começaram a aprender a falar. E como o ser humano fala! Fala tanto pra fora quanto pra dentro.
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Sugestivo o título do livro do psiquiatra José Ângelo Gaiarsa, "Tratado Geral Sobre a Fofoca: uma análise da desconfiança humana". Será que o referido título baseia-se na célebre percepção de Hobbes de que o homem é o lobo do homem? Para Gaiarsa cerca de 20% de nossa conversas são funcionais. As restantes (80%) são "conversa fiada", pura tagarelice. Para ele a fofoca é o mais fundamental dos fatos humanos e "acontece de tal forma que se esconde na medida que aparece", isto é, quase ninguém reconhece que está fofocando. Nos dizeres de Gaiarsa a fofoca "é uma rede pública secreta".
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Claro que existem boatos e fofocas que se iniciam de maneira maldosa e intencional, porém nem todo boato e fofoca tem sua origem na intencionalidade volitiva da maledicência, intriga e difamação. Muitas vezes - e não são poucas as vezes - o início da formação de um boato é involuntário. Lembremos que a base de um boato em seu nascedouro é a desinformação. No fundo no fundo gostamos de falar da vida alheia. E há na chamada natureza humana uma certa atratividade pela dramaticidade e pela tragédia (vide o sucesso dos programas de reality show e dos big brothers da vida). Some-se a isso uma outra necessidade que nos é intrinsecamente humana que é a de narrar e contar histórias. E, afinal, o que é uma fofoca ou um boato senão uma invencionice que se desdobra boca-boca a partir  de uma uma criação fantasiosa (intencional ou não) que começa lá atrás em alguém que não sabemos mais quem é ou foi. Difícil muitas vezes saber quem foi o primeiro boateiro. O psicólogo americano Gordon Alport, em seu clássico livro "The Psychology of Rumor", afirmava que um boato é um sintoma da má qualidade das comunicações. Para ele a fórmula da intensidade de um boato era: i = a x b, onde i (intensidade do boato) é resultado da ambiguidade da notícia (a) multiplicada pela importância da notícia (b).
Resultado de imagem para bisbilhotarFofocar é bisbilhotar, mexericar. O fofoqueiro não deixa de ser um xereta que adora especular sobre a vida alheia. De certa forma todos somos aqui e acolá, um pouco mais um pouco menos, fofoqueiros. Quando uma notícia corre de boca-em-boca sem veracidade confirmada e até mesmo sem origem conhecida, estamos frente a um boato. De vez em quando, sem que nos apercebamos, estamos contribuindo para propagar e prolatar um boato. Nos subterrâneos da psicodinâmica de uma fofoca podemos encontrar inveja e raiva que se encontram dissimuladas no prosaico ato de fofocar. Um fuxiquinho aparentemente despretensioso nada mais é no fundo do que um ataque e uma difamação disfarçadas de comentário. A principal diferença entre um boato e uma fofoca reside nas motivações e nas dimensões. Um boato se espalha por um largo espectro de pessoas, enquanto a fofoca concentra-se no grupo mais restrito de ouvintes e espalhadores. Para o cineasta e humorista Woody Allen a fofoca é uma espécie de nova pornografia. 
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Não há como não perceber o substrato perverso da alma humana. Mesmo que inconsciente a perversidade é o grande terreno fértil de onde brota boatos e fofocas. Naturalmente no dia-a-dia acreditamos em boatos, repassamos boatos. No corre-corre do cotidiano várias são as vezes que participamos de fofocas e fuxicos. Mentimos e caluniamos sem até nos darmos conta. Faz parte da luta diária da vida. É quase um passatempo. Respiramos fofoca diuturnamente, até quando estamos a ler jornais, revistas ou assistindo noticiários televisivos. Quantas notícias falsas, difamatórias ou manipulatórias somos submetidos através da roupagem jornalística? Afinal, como crer em um jornalismo "isento" quando no Brasil a grande mídia é controlada por uma nem meia-dúzia de famílias oligárquicas de pensamento único e hegemônico? (vide: http://observatoriodaimprensa.com.br/imprensa-em-questao/asquatro-familias-midiaticas/) A verdade que bebemos como verdade é editorializada. Na internet então, nem se fala. Notícias fake é o que não faltam. Como disse o escritor e semiólogo italiano Humberto Eco "as mídias sociais deram o direito à fala a legião de imbecis" (mãe, ói nós aqui na foto!).
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Para o psicólogo americano Frank McAndrew, fofocar é uma maneira de controlar as pessoas e cada sociedade tem seu grau de tolerância à fofoca. Porque somos seres dotados de linguagem e fala inevitavelmente somos seres de fofocas e boatos. Histórias atiçam nossas mentes, fantasias e imaginações. Temos uma necessidade instintiva de entender o mundo, os acontecimentos e as pessoas. O disse me disse faz parte de nós. É da nossa natureza. Nossa imaginação é por demais tendenciosamente difamatória. Então, cuidado. Lembre-se dos versos de Mário Quintana: "não te abras com teu amigo/que ele um outro amigo tem./E o amigo do teu amigo/possui amigos também..."

Joaquim Cesário de Mello

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