segunda-feira, 23 de maio de 2016

DIÁRIO DE AULA - FUNÇÃO PATERNA


             FUNÇÃO PATERNA


                Parece mais fácil compreender a função materna do que a função paterna, principalmente quando ela é descrita como tendo uma função dessimbiotizante. Chego a rever os olhares de atonicidade e confusão nos olhares dos alunos de antes frente ao termo quase palavrônico: dessimbiotização. Parecem surdamente perguntar “que danado é isso?”.
                É uma função que aumenta a complexidade à mente infantil em formação, pelo simples fato de representar uma terceira pessoa em jogo, uma nova e inédita função. Se a mãe é o primeiro não-eu da vida de uma criança, o pai é o primeiro não-mãe da vida da mesma. Lembremos que a relação inaugural mãe-filho uma relação psiquicamente (aos olhares infantis) fusional e simbiótica. É a primeira experiência humana de par. Nela a mãe é quem atende as expectativas, anseios, desejos e necessidades do bebê. É uma relação de completa e natural dependência do infante frente a seu cuidador original. Depois, bem depois, vem o pai, ou melhor, a função paterna.
                O pai, assim como os demais circundantes da vida de um bebê, conjugam-se em um ambiente narcisicamente materno. É como se todo o ambiente fosse uma grande e enorme mãe, embora muitas vezes seja a criança “pegada” de maneira diferente por este ambiente-mãe, bem como outras vezes o cheiro seja diverso e a barba espinhe a face da criança-filho. Aos pouco o pai, como pai e enquanto pai, vai retomando seu lugar junto ao objeto primário cuidador (mãe). Essa entrada na relação de estreita intimidade psíquica, afetiva e biológica, que é a relação mãe-bebê, vai sendo sentida como uma espécie de invasão e ameaça de separação do par idílico.
              A vida para um bebê, antes da “chegada” do pai, era mais simples, pois era uma díade de caráter simbiótico. A “descoberta” da existência do pai transforma a díade em tríade.  O mundo não é mais circular, mas triangular. É, entramos no âmbito do famigerado “complexo de Édipo”. Não custa nada lembrar que o tal do “complexo de édipo” transita na mente humana no campo do simbólico. O pai, a função paterna, deixará marcas psíquicas em seu filho, mesmo que não tenha sido esta sua intenção, afinal a função paterna (pai) retirará o sujeito infante da fase de alienação junto ao corpo materno. Por seu caráter limitador divide a relação imaginariamente simbiótica da criança. Daí ser comum encontrarmos expressões associativas à figura paterna como “Lei”. Sim, lei. E com L maiúsculo.



                Brincadeiras, estereótipos e caricaturas à parte, na problematização do complexo de Édipo entramos no período desenvolvimental freudianamente chamado de fase fálica, por volta dos 3 anos de idade aproximadamente É quando a criança começa a “encarar” o pai como um rival, rival na disputa do amor materno. Bem resumidamente falando é quando, na fantasia, a criança vê esta terceira pessoa (pai) como alguém que fica com a mãe que era dele (na ilusão narcísica dos primeiros tempo de vida) e que assim o impede de continuar mantendo seu desejo de ter a mãe só para si. A fantasia infantil do bebê do início da criança (de possui amor total e pleno da mãe) agora é “quebrada” com a realidade de que a pessoa da mãe não existe somente para ela. A pessoa da mãe também é do mundo de outros objetos. Corta-se um outro cordão umbilical. Eis a dessimbiotização.


        Claro que o pai (ou quem o represente) só funcionará de maneira dessimbiotizante caso a mãe assim o permita, ou seja, a gradual separação narcisista mãe-filho e a entrada do pai na cena edípica só se fará se ela vê a pessoa do pai como objeto de parte dos seus desejos. Caso uma mãe narcisicamente esteja vinculada ao seu filho, este pai, embora existente como pessoa concreta, não fará inscrição simbólica no psiquismo infantil, visto que ele não é objeto de desejo da mãe e, por isto, também não é rival no jogo triangularl do desejo. Caso ela não esteja emaranhada narcisicamente com seu filho este poderá sair do narcisismo psíquico natural da primeira infância para um outro estágio: o social.
                A ausência da função paterna na formação psíquica de uma criança nos leva ao campo de personalidade deficitária nas questões dos limites internos. Vide, por exemplo, A AUSÊNCIA DA FUNÇÃO PATERNA NO CONTEXTO DA VIOLÊNCIA JUVENIL, de Sandra Araújo, em http://www.proceedings.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=MSC0000000082005000200006

              Outro texto recomendável no tocante a ausência da função paterna durante o desenvolvimento de um filho também é encontrado em AUSÊNCIA PATERNA E SUA REPERCUSSÃO NO DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE; UM RELATO DE CASO, de Maria Eizirik e David Bergamann, em http://www.scielo.br/pdf/rprs/v26n3/v26n3a10.pdf

         Enfim, para fins de resumo, recapitulemos. Nos primeiros dias e meses a mente infantil vê a mão como um prolongamento de si. Aos poucos a realidade vai se impondo e esta mesma mãe começa a ser percebida não como um prolongamento psíquico da mente infantil, mas sim como alguém separado dela. Neste separação mãe-bebê a mãe também tem outros interesses que não somente seu filho, e outros desejos que não apenas o seu filho. A criança, assim, vai paulatinamente percebendo que não é ela o único alvo de interesse materno, e que existem outros objetos que a mão investe psicológica e libidinalmente. Uma mãe assim sadia propicia ao seu bebê a desilusão de que ela e ele não viverão eternamente uma relação fundida e/ou simbiótica. A função paterna – aqui representada pelos outros interesses da mãe que não unicamente seu filho – é como um interdito, uma intervenção limitante nas fantasias fusionais infantis. Este interdito, este corte, este limite, por sua vez, possibilita a inserção simbólica da criança no social. Tal interdição se faz fundamental, pois abre espaço para que o processo de individuação tome seu curso e vá se realizando. 
                O pai representa, pois, um libertar-se do colo materno e um lançar-se na vida do filho rumo ao desbravar do mundo e da vida. Ao se impor à mente infante a realização plena dos desejos narcísicos, dá-se essencial passo para a ordem e os limites da própria vida, tão fundamentais para um bom e saudável convívio social a posteriori. A função paterna, em conclusão, é parte essencial e saudável para o crescimento da criança como ser subjetivo e também social.
Joaquim Cesário de Mello







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