domingo, 15 de março de 2015

A VIDA ANTES DA MORTE

Resultado de imagem para biutiful






Em inglês, bonito ou belo se escreve beautiful. Porém há um filme de 2010 com título propositalmente grafado errado. Estou a comentar sobre Biutiful, do cineasta Alejandro Iñarritu. Inãrritu, cultuado diretor mexicano duplamente premiado com o Oscar de 2015 com melhor filme (Birdman) e melhor diretor. Biutiful narra a história de um homem à beira da morte, quando começa a questionar sua moral e suas emoções. Algo de violento e visceral transpira, e o que presenciamos é um personagem em luta para encontrar a paz consigo mesmo. Biutiful é um filme sobre a morte e o sofrimento de se sentir à margem da vida e da sociedade. O que é a morte, o que ela representa e para onde nos levará - temas colocados em pauta pelo cineasta. Na época do seu lançamento a revista Época publicou: "Biutiful não é de chorar. É de arrepiar, de dar nó na garganta, de fazer o coração bater mais rápido, quase que numa taquicardia. O filme é como um soco no estômago: primeiro você sente a dor e fica sem ar, depois chora". 
Resultado de imagem para pintura, vida e morteFilme em si à parte, hoje dedicaremos o espaço ao normalmente indigesto tema sobre a morte, ou mais precisamente sobre a sombra da morte no existir da vida. Falar de morte é falar de vida, pois somente se morre aquilo que está vivo. Não há morte sem vida, pois, bem como não há vida sem o morrer. Breve é toda a vida, declama Fernando Pessoa. Como igualmente ele descreve nos seguintes versos: "se depois de eu morrer, quiserem escrever a minha biografia/Não há nada mais simples/Tem só duas datas - a da minha nascença e a da minha morte./Entre uma e outra cousa todos os dias são meus". Todos os meus dias são meus; os dias em que vivo e que a morte me retirará um dia. 
Resultado de imagem para vida e morte
Já dizia Albert Camus, "o homem tem duas faces". Parafraseando-o diria que o ser humano tem duas certezas: a de que está vivo e a de que irá morrer. A morte está presente no viver do dia-a-dia de uma pessoa, como, por exemplo, num animal que morre, em uma flor que murcha, num dia que anoitece, em um conhecido que perdemos... A coexistência da morte em vida nos faz reconhecer a não perenidade da existência e da nossa própria vulnerabilidade. A natureza nos mostra e ensina o eterno retorno do ciclo vida-morte. Extingui-se a vida de um ente vivo, e a vida continua sendo vivida tanto pelos que continuam ainda vivos quanto pelos que estão nascendo. O universo não fenece quando alguém morre. Ele continua (não sei se tão infinitamente assim) a gestar e a gerar vidas e mortes.
Resultado de imagem para pintura, vida e morteA morte é o acontecimento final da vida, da duração temporal finita da vida. Coexistimos com ela talvez para que saibamos valorizar mais a vida. Será que amamos suficientemente a vida? Será que sabemos que aprender a morrer é saber desfrutar a vida em sua magnitude possível? Creio que estou a me preparar aos poucos para minha morte, afinal estou a pensar sobre a vida. Todavia isto não quer dizer que estou a pensar na minha morte, visto que é para mim um desconhecido impossível de conhecer. Muito menos penso naqueles que de mim se foram, afinal sequer sei para onde foram ou até mesmo se partiram para algum lugar. Meus mortos são feitos de ausências, de suas impresenças em minha contemporaneidade, de suas faltas no meu presente. Resta-me deles finos traços vacilantes e inconfiáveis em minha memória. Meus mortos são meus apartamentos, as minhas disjunções e minhas insuficiências. Há um enorme e profundo cemitério dentro mim.
Resultado de imagem para intermitências da morteO que aconteceria com a vida se de repente ninguém mais morresse? Serie o fim da própria vida como a conhecemos? José Saramago, em seu livro As Intermitências da Morte, escreve sobre um lugar em que um dia as pessoas pararam de morrer. No início para todos tudo é festa. Celebram a morte da morte. Mas com a longevidade do tempo a ausência da morte resulta em caos e tragédia, pois não morrer não significa não envelhecer ou deixar de sofrer. Quem está velho e enfermo continua velho e enfermo. Quem severamente adoece continua severamente adoecido. Quem se machuca gravemente continua machucado gravemente. A doença que dói não mata, mas continua doendo. Chega-se ao momento que as pessoas querem e sonham em morrer. Em sua fábula Saramago nos demonstra da importância da morte para a vida. 
Resultado de imagem para carpe diem, pinturaSomos o único ser vivo na face deste planeta Terra a saber da sua finitude (o preço deste nosso lado sapiens). Embora lutemos muitas vezes em rejeitá-la, não se vive para sempre. Que pena, dirá alguns. Isto faz que para se conhecer a vida humana, o homem, tenhamos que compreender a morte. O poeta Rainer Maria Rilke, por sua vez, reconhece que "é concebível que a morte esteja mais infinitamente próxima de nós do que a própria vida". Então, indago-me, por que não ser o contrário, isto é, sermos mais próximo da vida? Por que não aproveitá-la melhor? Aproveitar o agora, valorizar e apreciar o presente - eis a principal lição da expressão latina Carpe Diem.
Resultado de imagem para crescimento pessoalPlatão já dizia que o importante não é viver, mas viver bem. Contudo, aproveitar o dia e viver bem e de bem com a vida não significa fazermos somente as coisas que gostamos de fazer. É necessário utilizar de parte do dia para investir no futuro. Carpe Diem não é viver intensamente e morrer jovem. É preciso viver intensamente (dentro dos limites pessoais e reais de cada um) e preservar o jovem, isto é, viver o hoje com algum gostinho de amanhã. Isto requer ampliar os horizontes vividos, sair da chamada zona de conforto, crescer e evoluir, explorar o mundo. Fazer o que nos dá prazer e nos faz bem é bom, muito bom. Porém igualmente é bom permitir-se novas experiências, novos fazeres, novos prazeres.
Resultado de imagem para pessoa flexivelUma pessoa não usufrui melhor o seu dia e nem ele flui tão bem caso ela seja presa aos detalhes, visto que a minuciosidade pode nos levar a um excesso de criticidade tal que, por sua vez, pode nos levar a passar pela vida resmungantemente. O excesso de processamento mental sobre pormenores nos desgasta emocionalmente. A hipervigilância psíquica não condiz com alguém que está no usufruto do aproveitamento de sua vida. Parecem até que ela está sempre se queixando por serem as coisas imperfeitas e falhas, de o mundo não ser como ela gostaria que fosse. Pessoas assim geralmente demonstram dificuldades com o novo, o inesperado, o unusitado e o repentino. Faltam-lhes um pouco de tolerância e flexibilidade.
Ainda no tocante ao tempero de futuro nos prazeres do presente, quem apenas quer do instante o deleite do instante vive a vida nos prazeres imediatos. Mas não esquecemos que também há outros prazeres que não estão no agora mas que é no hoje que plantamos saboroso a ser colhido no amanhã. Falo dos prazeres mediatos, ou seja, os que estão no longo prazo. Abrir mão de certos prazeres imediatos, ou ao menos reduzi-los para que não esgotem nossas energias somente no aqui-agora, é ter na vida objetivos e/ou sonhos exequíveis. Ou como certa vez escreveu Inez Pedrosa, "não é de serem felizes que as pessoas têm medo; é de escolher - da responsabilidade da escolha, do compromisso que ela acarreta". Diria, complementando-a, que se as pessoas não têm medo de serem felizes, porém muitas vezes parecem terem medo das renúncias que devem fazer para serem felizes. 
Resultado de imagem para dramaticidade
E pensar que aqui e acolá somos passíveis de fazer "tempestades em copo d'água". Que para pouco estímulo damos respostas exageradas. Existe tanta coisa na vida (copos d'água) que não têm muita importância e que são até insignificantes. Dizem que Giovanni di Bernardone (São Francisco de Assis) pronunciou certa vez a seguinte prece: "senhor, dai-me força para mudar o que pode ser mudado. Resignação para aceitar o que não pode ser mudado. E Sabedoria para distinguir uma coisa da outra". Tem coisas que vale a pena se estressar e lutar, mas outras que não vale.
Resultado de imagem para dramaOutro elemento vivencial que nos prejudica o gozar mais satisfatoriamente a vida é a dramaticidade com que lidamos com certos eventos, principalmente os adversos. Nem tudo é tão emergente assim. Nem tudo deve ser levado com tanta seriedade assim. Saiba melhor utilizar do seu humor, e transforme essa nossa quase necessidade de vivermos a vida como quem vive uma epopeia, um épico ou uma tragédia, em uma transitar mais ameno e suave no seu existir na própria existência da vida. Mark Twain lá atrás dos anos escreveu: "sou um homem velho e conheci muitas preocupações, mas a maioria deles nunca existiu". Não precisamos envelhecer tanto para reconhecer cedo que a maioria dos nossos problemas nunca existiram. Fomos nós, com nossas dramaticidades e fantasias, que construímos.
Resultado de imagem para felicidadePois é, iremos ao fim de nossas vidas morrer. Um dia nos despediremos da vida maior no extinguir da nossa. Certo estava Fernando Pessoa quando diz: "o próprio viver é morrer, porque não temos um dia a mais na nossa vida que não tenhamos, nisso, um dia a menos". Carpe Diem, para todos.

Joaquim Cesário de Mello

Nenhum comentário: