domingo, 20 de julho de 2014

APRISIONADOS DO AMANHÃ




O amanhã é incerto, isto é certo. Não se tem exata certeza do que no futuro irá ocorrer. Tanto pode ocorrer coisas boas quanto coisas ruins.O que está por vir e por acontecer gera em nós, cada um ao seu modo e maneira, expectativas, esperanças e também receios. O futuro é para o ser humano um enigma ou um mistério. Quem não gostaria de saber antecipadamente o que vai acontecer, até mesmo para se prevenir. O ainda-não é fonte tanto de esperanças quanto de medos. Principalmente quando temos medo de no amanhã sofrermos, sofrermos de novo sofrimentos passados.
Quando alguém é acometido por uma forte crise de ansiedade esta lhe gera sentimentos intensos de medo. É o que acontece em situações psíquicas denominadas de "síndrome do pânico". Tal transtorno é caracterizado por uma crise abrupta de medo sem causa ou motivo aparentes, nem muito menos por ameaça ou perigo iminente real. O cérebro é banhado de adrenalina e o organismo é todo preparado para a fuga. Vertigem, vista turva e sensação de desmaio são frequentes que, conjugados com a elevação do batimento cardíaco, sensação de falta de ar e hiperventilzação, levam o indivíduo acreditar e a temer que pode vir a morrer. Embora de fato inexista ameaça à vida o forte incômodo provocado pela ansiedade descontrolada levam-no a sentir o pavor em morrer subitamente. A intensidade sintomática é de no máximo 5 minutos (uma eternidade para quem a vive), porém, após o "piripaque", fica-se um medo residual: o medo de voltar a ter medo. Tal sequela resulta em fobia, mas precisamente em agorafobia. A antecipação ansiosa da ansiedade pode gerar tal mal-estar que, por sua vez, pode originar novo ataque de pânico. É como certa vez escreveu o escritor francês André Gide: "o presente estaria cheio de todos os futuros, se o passado não projetasse sobre ele uma história".
O medo de voltar a sentir o medo profundo que gera o pânico muitas vezes pode levar o indivíduo a se isolar progressivamente em sua casa e condicionar reducionisticamente o seu cotidiano, a ponto de só se sentir seguro fora de casa quando acompanhado por outra pessoa. A síndrome do pânico, assim, passa a tomar o colorido de um círculo vicioso onde o medo de se ter medo gera novamente o transtorno temido. Estabelece-se, portanto, um sistema psicológico retroalimentador onde o futuro é visto como ameaçador de uma nova crise que até acontece pelo tanto pavor de se ter medo.
Quando o amanhã é o suposto momento da dor, do desconforto e do sofrimento, quando antecipatoriamente projetamos um sofrimento anterior em um tempo posterior, o futuro passa a ser uma época assombrada por assombros fantasmáticos, um lugar temido de onde o sujeito tenta evitar se escondendo em um presente cuja vida se circunscreve de maneira limitada e tolhedora. Ao contrário do que dizia Charles Chaplin ("a vida é maravilhosa se não se tem medo dela"), a vida é sentida como perigosa, ameaçadoramente perigosa, mais perigosa até do que os perigos normais de qualquer vida. O advir passa a ser abjeto e odiável, não porque seja mau, mas porque é incerto e na incerteza do que virá o medo passa a dominar como uma certeza de que o próprio medo retornará.
Uma pessoa que um dia foi acometida por um súbito ataque de pânico transforma-se, na maioria das vezes, em uma espécie de hipocondríaco. Na hipocondria propriamente dita - também conhecida por nosomifilia - é descrita como um estado psicológico onde o indivíduo tem a falsa ideia de que tem alguma doença grave e, assim, fica obsessivamente "ligado" em ruídos irrelevantes do corpo como se os mesmos fossem sintomas da suposta doença que ele acredita ter. Algo parecido acontece, pois, com quem sofreu anteriormente de pânico: fica minuciosamente se auto-observando à procura de um mínimo sinal que indique a possibilidade de uma nova crise. É como se o minuto seguinte da vida fosse quase sempre um minuto nefasto e fatal. Olha-se para a frente pelo espelho retrovisor.
O filósofo grego Epicuro dizia que a pessoa feliz é aquele que lembra o passado com gratidão, alegra-se com o presente e olha o futuro sem medo. Não é o que acontece com quem vive prisioneiro do futuro. O passado é lembrado como traumático, o presente é vivido em constante estado de expectativa sofrida e o futuro é encarado com assombro. A experiência traumática um dia vivenciada transforma-se em expectação ansiosa de uma catástrofe iminente. E é como escrevemos acima: a ansiedade assim gerada passa a ser um gatilho ou disparador de possíveis novos surtos de pânico. O que lá atrás um dia surgiu de maneira infundada é agora fundado em crenças de novas ocorrências de perda de controle, sensação de desmaio e morte, ou até de enlouquecimento. O corpo e o futuro, pois, são vistos como perigosos.
Um trabalho para fazer frente e aprender a lidar e a superar tal situação inclui a combinação, se necessário for, de psicofármacos, além de psicoterapia. Evidente que psicoterapicamente há de se visar uma reestruturação cognitiva, com vistas a dirimir as crenças e pensamentos disfuncionais que lastreiam o transtorno de ansiedade e a fobia. Treinar a respiração, desenvolver técnicas de relaxamento e a dessensibilização são métodos utilizados no tratamento do embatimento sintomático. A isto tudo se deve associar um trabalho voltado à natureza e às raízes encobertas da síndrome, afinal não se está frente apenas a uma doença ou um doente, mas frente a uma pessoa e uma personalidade. Não se trata tão somente de uma biologia neuroquimicamente desorganizada, porém também de um ser humano historicamente construído, com seu ego e seus mecanismos defensivos. Conhecer as dificuldades de simbolização, as vicissitudes dos afetos e os conflitos do mundo interno do paciente/cliente são imprescindíveis para uma consolidação eficaz da melhora do quadro clínico, Diria até que mais do que melhorar, é necessário mudar.
Mais do que alívio sintomático, portanto, faz-se essencial dar sentido ao sofrimento a partir da própria história e passado do sujeito. É imprescindível, pois, subjetivar sua sensação de desamparo que subjaz aos ataques de pânico. É fundamental pensar as emoções ao invés de querer se livrar delas. Livrar-se de emoções incômodas não é sinônimo de que elas nunca mais vão voltar. Há de se consolidar um self mais coeso e um ego mais fortalecido e melhor capaz de lidar com suas faltas e carências, sem a ilusão narcísica de um ideal protetor onipotente. Uma pessoa mais psicologicamente aparelhada a lidar e manejar com as incertezas e não seguranças da vida.
Em termos psicoterápicos e clínicos é relevante o cliente falar mais de si, entrar em contato com seus sentimentos (inclusive os aversivos), melhorar sua auto-obervação e consolidar uma boa aliança terapêutica. Isto resulta em mudanças atitudinais significativas, tais como estreitamento das relações de intimidade, fazimento de novas relações sociais, desenvolvimento de habilidades e potencialidades, acréscimo de respostas maduras para resolução de problemas e obtenção de reforçadores intrínsecos e sociais. Eleva-se, portanto, a autoestima - base do equilíbrio psíquico e fortalecimento pessoal.
Libertando-se do temor do amanhã pode agora o sujeito continuar rumo ao crescimento (pessoal, social, profissional, afetivo, familiar, financeiro, etc.) caminho este antes obstaculizado pelo medo que o inibia e o aprisionava. É como afirma a escritora francesa Françoise Sagan: "só fechando as portas atrás de nós se abrem janelas para o porvir". E se o futuro depende em muito do que fazemos e como vivemos o presente, um presente sem o excesso de medos infundados nos leva a um futuro encorpado de esperanças.

Joaquim Cesário de Mello

Um comentário:

Anônimo disse...

Sem Príncipes nem castelos

Sinto -me agora nua e desprotegida.

Penso em tempos de casulos e existências mortas.

Disseram - me que estaria segura.

Que dois pilares sustentariam meus medos e incertezas.

Se minha alma agora quer alçar um novo voo, devo seguir?

Quisera poder voar acima dos altos penhascos, como a águia que trago no pulso!

Totalmente renovada, revigorada, sedenta de vida! Mais uma vida.

Quisera acreditar que não preciso de armaduras ou amarras! Mas como saber se minhas asas estão prontas para voar?

Preciso ir ao fundo. Vencer os obstáculos que me paralisam.

Só chegando ao fundo, chafurdando na lama de minhas lembranças e receios.

Nada é mais belo e aterrorizante que uma volta aos tempos em que fui eu. Apenas eu!

Sou intensa, despudoradamente sem rédeas nem freios.

Decidi domar a fera, serei de novo eu, sem príncipes ou castelos. Desta vez me deixarei conduzir sem sonhar.

Nada pode brilhar mais que a realidade... Apenas uma pequena luz para que enxergue o caminho.