domingo, 11 de maio de 2014

sobre a imagem e a palavra reais


Achei estranho a proibição feita por duas produtoras de vídeos no formato blu-ray ao filme  “Azul é a cor mais quente” (Adianto, ainda não o assisti). O mais estranho é que as produtoras de DVDs vão copiá-los sem restrições. O fato deve ter sido puramente acidental ou burocrático - a produtora de blu-ray deveria ser mais "moralista", enquanto que a de DVD era mais "liberal". Contudo, utilizarei, ou melhor brincarei, com a metáfora DVD / blu-ray para ilustrar algumas reflexões. Sabe-se que blu-ray tem imagem melhor e mais “real" que o DVD e essa aproximação com a realidade cria, por assim dizer, sentimentos ameaçadores - a realidade é de natureza ameaçadora.Cabe dizer que, nos dias de hoje, os meio de expressão são sujeitos a censura. Uma censura não proibicionista, mas dificulta o acesso ao objeto incômodo. Mesmo os países mais aberto tem uma ou outra restrição. Ao longo da história, já se destruiu filmes, já se proibiu peças de teatro, exposições de fotos, pinturas foram perseguidas, bibliotecas foram queimadas. As vezes, sem aparente coerência, um formato é mais censurável que outro, embora trazendo o mesmo tema. Há uma lógica que julgo fundamental: quanto mais pessoas tiverem acesso ao objeto, maior o risco ser censurado. Um vídeo em DVD, ou de TV à cabo, é mais popular que um filme de cinema, que uma peça, e, nos tempos de hoje, que um livro. Um bom exemplo foi a proibição, em alguns países, do filme "A Última Tentação de Cristo" - uma adaptação do livro do mesmo nome do escritor grego Nikos Kazantzakis. em uns o estado proibiu, em outros cinemas sofreram atentados por grupos religiosos. O livro já havia sido publicado há muitos anos, sem provocar qualquer incômodo.

Muitas vezes quando vai se assistir a um filme em casa ou no cinema cinema, expõe-se avisos indicativos de idade em razão de cena de nudez, linguagem chula, alusão a drogas, violência entre outros. No entanto, se se vai a uma livraria e se compra ou se folheia,  por exemplo, “A Filosofia na Alcova”, do Marques de Sade, ou o “Ligações Perigosas”  de Laços ou qualquer livro de Bukowsvski, não há nenhum tipo de advertência, e, até uma criança poderá folheá-lo sem ser que lhe chamem a atenção. Contudo, se se da palavra para para a imagem, são severamente censurados. O que aconteceu? Algumas hipóteses: livros interessam menos ao público jovem que o adulto (será?), crianças não vão entender o que o livro quis dizer – quem diz isso, talvez seja mais ingênuo que os pequenos leitores. Há muitas explicações e há, ainda, aqueles que "nunca pensaram nisso antes". Algo é inquestionável,  a imagem aproxima mais do ato do que a palavra. Por outro lado, a palavra falada e principalmente a palavra escrita mostram-se mais afoitas que o gesto. Essa afoiteza, contudo, reside no fato de que, falando ou escrevendo, distancia-se do ato - a  imagem apela para o ato, o olhar é obsceno e clama para um imediato pudor. Por essas razões, mesmo que aparentemente paradoxais, o texto escrito é mais explicito ou sincero que o texto falado porque a fala envolve o olhar. Além do mais, o fato da escrita em sua maioria ser uma construção solitária, de algum modo, permite ousadias. Quantas vezes os psicoterapeutas, depois de inúmeras sessões com seus clientes, recebem um texto, uma carta, um bilhete que se diz verdades impronunciáveis?

Esse poder do texto dá à palavra escrita um encantamento e a faz mais bela e mais humana – a linguagem nos faz humano. Mesmo que quem a escreva não seja necessariamente poeta ou escritor, o dizer por signos de linguagem escrita, faz dessses dizeres, não só verdadeiros, mas bonitos esteticamente. Cartas de amor são melhores e mais extensas  que declaração orais de amor, textos queixosos são menos desonestos que uma “conversa franca”. Há aqueles que interpretam os bilhetes como uma forma covarde se se expressar. “Por que não se disse frente a frente?”, “por que não se fez um gesto afetuoso?”, enfim, “por que se escondeu nas palavras?”. Porque, afirmo mais uma vez, a palavra está longe do ato, embora que seja justamente ela que, em outro momento, viabiliza a ação. Com os recursos de redes sociais, de mensagens telefônicas, whatapps, mensagens inbox etc, a ousadia aumentou, e se pode confirmar que muito se diz nas telinhas algo que jamais seria dito no encontro real.

Marcos Creder

Um comentário:

Cristiane Menezes disse...

Uma coisa eu digo há coisas que escrevemos que não conseguimos dizer pessoalmente. Lembro-me que mais nova, queria falar com meu pai sobre um mundo de dúvidas, mas ao falar eu caia no choro, era fraca demais para ouví-lo, então escrevia num pedaço de papel e deixava num local que ele pudesse ver, ou entregava a ele e saia correndo. Aquilo me doía, parecia que ninguém me entendia, eu não queria machucar ninguém, apenas não sabia como chegar, como falar. Escrevendo conseguia dizer com mais firmeza, embora minha mente estivesse com um turbilhão de coisas.