domingo, 18 de maio de 2014

MASCULINIDADES UTERINAS





Quando ouvimos o termo histeria muitos imediatamente podem associá-lo a algo feminino. Provavelmente até pela própria origem da palavra que vem do grego histéra, que significa útero. A histeria masculina, por sua vez, não tem o reconhecimento histórico e secular que tem a feminina. Embora já no final do século XIX Freud, mais precisamente em 1886, tenha apresentado um trabalho intitulado "Um Caso Severo de Hemianestesia num Homem Histérico", a questão não sofre a mesma abordagem e abundância de estudos que a histeria feminina. Ainda há fortes reservas no tocante à matéria e a questão é vista com certa resistência. Até mesmo o curso universitário de Psicologia pouco e rasamente aborda o assunto.
Pois é, parece haver uma dificuldade em se falar de histeria sem útero. Segundo Silvia Alonso e Mário Fuks, em seu livro Histeria, no homem, ao contrário das mulheres, o que está mais em jogo é a imagem e menos o corpo. E nisso se oculta ou se disfarça a histeria por detrás da honra, coragem e heroicidade, temas estes que não estão relacionados com o corpo, mas sim com o narcisismo. As conversividades histéricas características em algumas mulheres, por exemplo, não é frequente ou comum nos homens, porém manifestações como taquicardia, problemas gastrointestinais, e ideação hipocondríaca são mais recorrentes. Como diz os autores citados, "o alcoolismo não é mais quase a única via de expressão da histeria no homem".


Ataques e piripaques histéricos comuns em algumas mulheres tem seu equivalente nos homens em crises de fúria e ira. Tais crises de cólera podem encobertar na verdade dificuldades em lidar com a vida e o mundo ou, em outras palavras, são descargas de energia psíquica por um lado e por outro expressões de impotência. A dramatização observada na espetacularização histerogênica parece apontar para sentimentos de vazio e de baixa autoestima que mantêm raízes no passado oral do sujeito. O útero, portanto, do histérico não está localizado no aparelho reprodutor, mas sim no cérebro. 


Não é difícil supor que por detrás da fenomenologia histérica habitam mecanismos psíquicos emocionais relevantes. Podemos, inclusive, considerar a existência de "afetos estrangulados" por debaixo dos reconhecidos ataques histéricos. Lacan, por exemplo, dizia que o desejo de um histérico é um desejo de insatisfação. E um desejo que tem como objeto a própria insatisfação somente pode advir como uma resposta a um ideal de ser, ideal este sempre inalcançável.
Devemos, todavia, diferenciar histeria de histrionismo, ou seja, uma personalidade histriônica é bem mais florida do que uma personalidade histérica. No histrionismo a pessoa apresenta uma sintomatologia mais exagerada, com maior impulsividade. Se por um lado o indivíduo histriônico se acha atraente e charmoso, por outro as pessoas que com ele convivem o percebem como exibicionista, superficial e exagerado. São sujeitos que se magoam facilmente, não são empáticos com os sentimentos alheios e são muito emocionalmente escorregadios e lábeis, isto é, da raiva à alegria é um pulo e da alegria às lágrimas é outro.


No tocante à sexualidade um homem histérico muitas vezes demonstra impotência ou temor da mesma. A mulher (ou seu objeto amoroso) é por ele idealizado, e quando ela o procura sexualmente o mesmo se sente pressionado em sua virilidade, achando que obrigatoriamente tem que responder eficazmente. No ato sexual há sempre a sombra temerosa do fracasso. Pode ocorrer também, como nos típicos casos de Don Juanismo, que o sujeito seja sexualmente promíscuo, porém afetivamente frio, frígido. Obtém prazer carnal, mas não sente psicologicamente amor. Sua castração não é fálica, porém genital.
O caráter e a estrutura histérica de personalidade, seja homem ou mulher, é marcadamente infantil em suas demandas por atenção, sedução e fortes desejos de ser amado por todos. É como se quisesse ser o objeto de amor de um genitor idealizado. É comum se dizer que uma mulher histérica é aquela que seduz e depois frustra. Com o homem não é diferente. É da natureza da histeria não querer renunciar ao tudo, por isto a impossibilidade da escolha e da entrega. Fantasmaticamente ele se vê ou se sente uma espécie de "filho único admirado e mimado". 
O Don Juanismo a que fizemos menção acima é um transtorno caracterizado por uma compulsão em seduzir. O Don Juanista é uma pessoa que se envolve facilmente sexualmente, contudo é mal sucedido emocionalmente. Sua dramaticidade é de natureza manipuladamente sedutora. Seu objetivo é tão somente cativar, atrair e conquistar. Trata-se, evidentemente, de uma pessoa narcisista, indiferente aos sentimentos dos seus alvos de conquistas. Não sabe, pois amar. Sexualmente é um extrovertido. Amorosamente, um inibido.
O caráter feminóide da histeria nos inclina e remete associá-la à mulher. A feminilidade excessiva no homem histérico se manifesta no seu oposto, isto é, em uma masculinidade exuberante e quase caricata. Ele parece todo fálico; dos pés à cabeça. E a importância que dá ao pênis é incomensurável. Para Jöel Dor, psicanalista francês, a ejaculação precoce muitas vezes, por exemplo, é uma manifestação sintomática típica da histeria masculina que se apóia em um mecanismo imaginário onde virilidade e desejo se confundem. Assim como no tocante à ameaça da impotência, sua masculinidade é vulnerável. Como dizia com muita propriedade a psicanalista alemã radicada nos EUA e uma das fundadoras da chamada Psicologia Feminina, Karen Horney, todo homem quando pequeno já sentiu desejo de ser mulher. Alguns sofrem com tais desejos e defensivamente investem libidinalmente seu pênis como uma espécie de auto-afirmação compensatória e denegativa. A exigência aí machista, portanto, é ter e manter ereção para penetrar. O temor (mais que receio) psicológico da "castração fálica", a ansiedade de falhar sexualmente somados ao medo inconsciente dos desejos de uma mulher geram um "coquetel molotov" psicológico. É como se mente estivesse dizendo; "vá logo pois a ereção pode acabar. Termine logo com isso". 
Uma tentativa de classificação quanto à personalidade histérica masculina é citada por Glen Gabbard em seu livro Psiquiatria Psicodinâmica na Prática Clínica, dividindo-a em dois subtipos, a saber: o hipermasculino e o passivo/afeminado. O primeiro tende ao Don Juanismo e ao caricatural de masculino e macho. O segundo refere-se tanto aos homossexuais "afetados" e passivos, quanto aos heterossexuais impotentes ou que temem às mulheres. Gabbard cita ainda uma pesquisa realizada com 27 pacientes com diagnóstico de Transtorno de Personalidade Histérica. Todos, a maioria heterossexual, tinham uma vida sexual-afetiva perturbada ou tumultuada. 
É, o corpo e a sexualidade humana ainda geram inúmeras vítimas. Urge, portanto, dar voz e escutar o jogo das forças psíquicas conflituosas que atuam nos bastidores e por detrás dos panos dos palcos da vida por onde perambulam os homens e suas humanas fragilidades. É necessário compreender a linguagem secreta dos desejos que vão além do sexo e do prazer carnal. Na antinomia masculino/feminino temos também a oposição complementar fálico/castrado. Quanto mais o sujeito contemporâneo, narcísico e individualista, acreditar na ilusão do gozo pleno de todos os prazeres, mais oral são nossas exigências superegóicas. Jamais gozaremos o gozo pleiteado do nosso Ego Ideal. Jamais viveremos em Pasárgada onde lá somos amigos do rei e teremos as mulheres que quisermos nas camas que escolher. Jamais...
O principal órgão erógeno do corpo não está em nossas genitálias, mamilos, línguas, orifícios ou nas partes periféricas do nosso organismo físico. O principal órgão sexual humano é o psiquismo que habita em nossos cérebros. 
O velho Freud mais uma vez tinha razão, principalmente quando afirma que "somos feitos de carne, mas temos de viver como se fôssemos de ferro". No fundo, no fundo, nossas fragilidades e vulnerabilidades nos fazem ser, um pouco mais ou um pouco menos, alguma coisa de histéricos. Sejam mulheres, sejam homens; afinal, nossa alma é que narcisicamente histérica. Quem, aqui ou acolá, não abre suas cortinas e representa com certa teatralidade seus mais ínfimos e íntimos dramas? Atua sem pensar. Ou, como disse Freud, é atuado pelo seu inconsciente. De histérico e louco todos temos um pouco.


Joaquim Cesário de Mello

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