domingo, 13 de outubro de 2013

O LADO B DO MEDO

“Podemos facilmente perdoar uma criança que tem medo do escuro; a real tragédia da vida é quando os homens têm medo da luz”. (Platão).


Impossível viver sem sentir aqui e acolá medo. O medo é um estado de alerta que nos acomete quando geralmente nos sentimos ameaçados ou em perigo. É uma sensação, antes de tudo, biológica provocada por uma descarga de adrenalina em nosso organismo que visa a autopreservação. Neste sentido, o medo é uma reação protetora, saudável e normal que vem de estímulos que ameaçam à vida. Fugir ou lutar pode ser uma resposta positiva, depende da situação ou do contexto. Há perigos iminentes e reais, mas também há riscos imaginários ou temores que surgem devido a associações que fazemos ao longo da vida. O medo deixa de ser normal quando, ao invés de estar a serviço de proteger a vida, faz-nos evitar a própria vida. 
O medo é uma emoção básica e primária, e que faz parte do sistema defensivo, assim como a ansiedade. Evolutivamente, perante um estímulo ameaçador tendemos a ter vários padrões automáticos de reação, a saber: fugir ou evitar, agredir, submeter-se ou paralisar. Como resposta automática, não passa pela decisão do indivíduo, sendo pura fisiologia. O medo, portanto, é uma espécie de programa genético, aberto às influências do ambiente. Através da habituação ou da sensibilização pode aumentar ou diminuir. 

Por detrás de muitos transtornos psicológicos temos o medo e a ansiedade. O medo anormal é o medo excessivo, exagerado, inadequado ou irracional. O temor exagerado pode chegar a ser sentido como pânico ou terror. 
De acordo com os manuais diagnósticos psiquiátricos um transtorno de pânico, por exemplo, por um amedrontamento tamanho que surge subitamente como um ataque inesperado, espontâneo, vindo como se fosse do nada, com fortes sintomas de ritmo acelerado do coração, tremores, sudorese, desconforto no peito, sensações de falta de ar, náuseas, e medo, muito medo, de morrer ou enlouquecer, entre outros. Não é o ato isolado em si que vai caracterizar o transtorno de pânico, mas sua repetição e a preocupação insistente que de se ter um novo ataque ou “peripaque”. 

Uma das coisas que levam uma pessoa a sentir medos exagerados é a percepção de eventos comuns como se fossem ameaçadores sem o serem. E isso muito se dá devido a ansiedade. Uma pessoa ansiosa, por exemplo, que excessivamente fica se auto-observando em busca de mínimos sinais orgânicos de medo ou alterações, ou que hipervigilmente perscruta o ambiente à procura de sinais de perigo ou ameaça, provavelmente vai sentir medo, inclusive medo de sentir medo. 
Em pessoas com ansiedade paroxística episódica (F.41-0, CID-10), por exemplo, sensações físicas leves são frequentemente interpretadas como catastróficas. A apreensão eleva ainda mais as sensações físicas, então, pimba! Instala-se o pânico.
O medo irreal, isto é, sem um estímulo perigoso externo verdadeiro, é um medo vertical. Vertical? Sim, vertical, pois é um medo que vem de dentro, ou um medo que se aprofunda para dentro. Não é da realidade ou de um objeto externo especifico que se tem medo, mas da representação psíquica da realidade ou do objeto. É um medo que atravessa a biografia do sujeito atemorizado. Tem raízes e ecoa lá detrás de sua história. E todo lá detrás de nossa história é sempre a meninice e sua infância. 

O psiquismo humano é originariamente paranoico. Uma criança pequena pode ter medo de qualquer coisa, até da própria sombra espelhada na parede. Não é a toa que Melanie Klein, que dedicou sua vida ao estudo e atendimento de crianças, denominou o mundo fantasmático do psiquismo infantil do bebê e suas relações objetais iniciais de POSIÇÃO ESQUIZOPARANOIDE. O mundo interno (mental) é primariamente formado a partir das percepções do mundo externo, percepções estas coloridas pelas sensações e ansiedades do próprio mundo interno. 
    
    O mundo é uma enorme estranheza a ser conhecido. Se já dizia Winnicott que não existe bebê sem mãe, também podemos dizer que não existe bebê sem medo. Afinal, qual é a criança, de qualquer idade, que não tenha medo?


   Cada pessoa é única. Cada criança é única. Do menino ao homem, cada um ao seu modo e maneira, continuamos carregando alguns monstros e bicos imaginários. Mas embora na fobia haja medo, o medo não é fobia. A fobia é um temos patológico desencadeado por um objeto ou situação específica que não apresenta de fato perigo. Medos antigos desaparecem ou diminuem com o amadurecimento, outros permanecem e até aumentam. Medos novos também podem surgir com o passar do tempo e da vida. Já alguns medos podem virar fobias, enquanto muitos não. 

Fobias são medos irracionais que até a própria pessoa que os sente percebe seu absurdo, mas, apesar disto, não consegue dominá-los. Psicodinamicamente se entende que são resultados de conflitos internos do sujeito projetados sobre objetos do mundo externo. Agrupadamente se tipicam em: agorafobias, fobias específicas e fobias sociais.

O cultuado escritor norte-americano Mark Twain já dizia que coragem é resistência ao medo, domínio do medo, e não ausência do medo”. Sim, não devemos deixar os medos nos dominar. É necessário ter sobre o controle e equilíbrio com os mesmo, saber conhecê-los melhor e melhor conviver com eles quando não pudermos de já superá-los. O medo, em princípio não é nosso inimigo, mas sim uma espécie de sineta ou campainha que nos avisa para tomarmos cuidado e termos cautela com alguma coisa. Sem serenidade o medo pode se transformar em um bicho dominante, enquanto somos nós o seu patrão. Fugir dos medos cujas raízes estão em nosso imaginário e psique é fuga inútil, pois para onde nos abrigarmos ou formos nosso imaginário e psique também lá estará. Pois é, sem enfrentamento não há superações. 

É bem verdade que falar é mais fácil do que agir. Evidente que não é fácil enfrentar uma fobia e superá-la. Mas não é porque é difícil que não seja possível. O medo psicológico, não proveniente da realidade em si, embora seja sentido pela pessoa ele não é parte integrante da pessoa, mesmo que até ela esteja já acostumada com seus temores antigos. O medo é retirável sem se retirá-lo, ou seja, é necessário confrontá-lo com a realidade e com suas raízes. Todo medo tem sua raiz. Só podemos conhecê-la se aproximando dela. E um dos recursos que temos para nos aproximarmos internamente de nossos medos é inicialmente compartilhá-lo, razão pela qual pode ser bem indicado uma psicoterapia, que muito contribui para a transformação de sentidos e significados que damos a coisas, situações ou pessoas. O medo tem seus significados – embora elaborados em dialetos afetivos e muitas vezes ilógicos a lógica racional – e é mediante a ressignificação dos mesmos que se pode removê-los sem tirá-los do canto. 
Como, então, lidar com o "perigo interno"? Entendo que seja qual for o caminho tomado para lidar com o Minotauro interno ele sempre passa pelo labirinto da alma humana. Ir além e adentro do corpo e suas sensações. Ampliar e compreender os processos afetivos, reconectando a pessoa ao processo formativo de seus medos contundentes. Superar o medo, principalmente o medo do próprio medo, inclusive o de morrer, passa pela aquisição de maior e melhor capacidade em elaborar as emoções. É necessário, pois, ir ao encontro de suas afetações e dos sentidos que a partir delas a mente derivou. Com isso abre-se a oportunidade ímpar a novos sentidos e novos afetos pertinentes. 
   O assunto agora se estende e merece, portanto, continuação mais adiante. Em breve...

Joaquim Cesário de Mello

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