terça-feira, 1 de outubro de 2013

DIÁRIO DE AULA - A IMENSIDÃO DO AZUL






Uma vez escreveu a poeta Cecília Meireles: "minhas mãos ainda estão molhadas do azul das ondas entreabertas e a cor que escorre dos meus dedos, colore as areias desertas". Sinto-me assim, agora que terminei de ler as provas da atual turma da disciplina FAMÍLIA E REALIDADE SOCIAL que leciono na FAFIRE.
Desde que institui o modelo que hoje uso de avaliação, e isso já tem mais de uma década, onde utilizo cores do arco-íris em lugar de notas e números, jamais me deparei com tantos azuis. O azul pra mim é uma cor tranquila e suave, que alguns associam com a parte mais sensível, criativa e intelectual da alma humana. Embora não seja uma cor quente, mas sim uma cor fria, o azul representa a cor do espírito e do pensamento humanos. Simboliza também o ideal e o sonho. 
Pois é, desde menino tive um sonho: mudar o mundo. Não consegui. Depois, rapaz, quis mudar o sistema. Não consegui. Adulto jovem quis mudar a universidade. Não consegui. Hoje, na meia-idade, quero mudar cabeças, transformar alunos em estudantes. Vou tentando...
O resultado colhido na recente safra acadêmica mantém desperto meus ideais e sonhos. Gratifica-me perceber esforços em estudar e aprender, em crescer. Aqui e acolá vejo isso, mas não é sempre e constante que achamos tais virtudes em uma pequena comunidade grupal de sala de aula. E aqui falo pelo todo. E o todo - lembremos da Gestalt - é maior que a soma das partes.
Indícios e sinais já haviam. Logo de manhã cedo entrávamos em sala e lá já estava mais da metade da turma, sempre dispostos, solícitos e participativos. Muitas vezes inquietos em suas curiosidades me instigavam e me motivavam a instigá-los de volta. E no pingue pongue dos minutos as horas passavam tão rápidas que nem me dava conta. Comecei a sentir que estava saindo de sala com aquele gostinho agridoce de quero mais. Não deveria, portanto, surpreender-me, porém surpreendi-me. Grata surpresa.

É sempre gratificante e realizador uma turma como esta. Provas como estas. Pessoas como elas. Invejo, no bom sentido, o futuro que eles têm pela frente. Disse a ex-primeira dama americana Elleanor Roosevelt que "o futuro pertence àqueles que acreditam na beleza de seus sonhos". E sabemos, assim como sabia Gandhi que "o futuro dependerá do que fazemos no presente". 



Continuem assim, queridos jovens estudantes. Você serão os psicólogos do amanhã. Lá onde poderei até não mais estar, mas estarão meus netos e os filhos deles.
Continuem surpreendendo este velho coração de professor. E se "o inalcançável é sempre azul", como afirmava Clarice Lispector, continuem incessantemente em busca do azul cada vez mais azul.

    Soneto do Desmantelo Azul

    Então, pintei de azul os meus sapatos
    por não poder de azul pintar as ruas,
    depois, vesti meus gestos insensatos
    e colori, as minhas mãos e as tuas.

    Para extinguir em nós o azul ausente
    e aprisionar no azul as coisas gratas,
    enfim, nós derramamos simplesmente
    azul sobre os vestidos e as gravatas.

    E afogados em nós, nem nos lembramos
    que no excesso que havia em nosso espaço
    pudesse haver de azul  também cansaço.

    E perdidos de azul nos contemplamos
    e vimos que entre nós nascia um sul
    vertiginosamente azul. Azul.
                                                             Carlos Pena Filho
    Joaquim Cesário de Mello


Um comentário:

Carla de Miranda disse...

Eu estou surpresa com teu depoimento, Joaquim. Nunca vi algum professor dedicado a seu ofício se sentir assim com a minha turma e ainda querer expressá-lo. Vou desenvolver mais isso na carta-avaliação que vou te entregar.
Até lá, fico contente que tu esteja se sentindo assim, pensando no teu sonho, vendo a gente e apostando. Fico também contente e grata por estar encontrando a enciclopédia ambulante e disponível que tu se mostra ser como professor-com-a-gente!