Relendo a resenha de Joaquim Cesário aqui no LiteralMente sobre o livro “A Ilusão da Alma” de Eduardo Gianetti, tive algumas reflexões que foram acrescentadas justamente porque participei recentemente de um evento de psicofarmacologia que atiçou mais ainda a discussão da relação mente-corpo.
O Encontro tinha vários
convidados internacionais e entre eles um que é considerado uma verdadeira
sumidade nessa área, o Dr. Stephen M. Stahl, da Universidade da Califórnia, e
foi justamente um pequeno comentário desse professor que me chamou atenção. Ao
explanar sobre os avanços do uso de várias medicações antidepressivas ele
comentou que um dado “estranho” vinha acontecendo na pesquisa científica. O
placebo, comentou, vem a cada ano apresentando resultados mais favoráveis,
enquanto que muitos antidepressivos estacionaram em suas respostas
terapêuticas. Como todos sabemos o placebo (que significa “agradarei”, em
latim) é uma substância inócua do ponto de vista químico, mas poderosa do ponto de vista “xamânico”. - Há quem diga que não só há magia no placebo,
como também, uma rede de reações químicas provocadas pela sugestão. E é sobre
as circunstâncias que envolvem o placebo, essa medicação mais pesada que o
palito de fósforo que Joaquim tentava segurar num ritual de sugestão, que falarei
mais um pouco.
As relações terapêuticas são
permeadas constantemente pela magia da sugestão e de seus ritos. Apesar da
psicologia e da medicina serem saberes científicos, o exercício da profissão
remete a ritos de tratamentos religiosos anteriores a ciência moderna. Esses ritos muitas vezes sequer são
percebidos pelos pacientes ou terapeutas, mas estão presentes na indumentária, na
empostação da voz, na orientação higiênica – muitas vezes moralista – e principalmente na divinificação do
profissional. Esse fenômeno é provocado nas relações assimétricas, em que um sujeito “carente” de saúde
procura por um suposto provedor de bem-estar.
É nessa relação que se instala o fenômeno da Transferência – grosso
modo, um aglomerado de sentimentos arcaicos que são atualizados na relação com
o sujeito que cuida. Queiramos ou não
interpretá-la, manejá-la, ou esquecê-la, a transferência estará lá, atenuando a
dor já na sala de espera do médico generalista ou fazendo aliviar a angústia com
um simples gesto facial de um psicoterapeuta. Assim faziam os religiosos, onde
o sacerdote, o pastor, o líder ou o mestre assumem esse mesmo lugar assimétrico que
propicia o alívio do sofrimento.
Esse lugar de “Todo Poderoso” da
ciência ou da religião levaria a dois sentimentos díspares: o sentimento de
acolhimento e o sentimento de temor. Temor? Porque temor? Quantos de nós temos ou tivemos medo
dos médicos e dos remédios da medicina ou das falas ou do olhares dos
psicoterapeutas? Na verdade, a cura
geralmente implica riscos e submissão a procedimentos muitas vezes
desagradáveis. No exemplo de Joaquim, o palito de fósforo poderia esmagar-lhe a
mão, assim como os remédios e as palavras poderiam destruir arruinar os
clientes submissos à determinação dos médicos e psicólogos. Esse desamparo vivido pelo doente frente ao
cuidador deverá ser uma das fontes prováveis desse sentimento ambivalente de
destruição e cura depositados no cuidador.
Cabe lembrar que os símbolos da
medicina e da psicologia também são ambivalentes. O cajado com a serpente, símbolo
da medicina, reedita a ideia de bem e de mal, de alimento e de veneno, de inteligência
e a malícia. PSI, o tridente símbolo da psicologia, numa das diversas
interpretações, foi usado por Poseindon, na mitologia grega, para arrancar o poder
da alma do adversário. Observa-se que nas relações humanas há sempre essa tensão
entre o dano e a fortuna e, refazendo a cena do encontro terapêutico, se o
“mestre” oferece um “agrado” (um placebo) como alívio, seu poder e sua empatia
vão juntos.
O médico prescreve determinada
medicação... Será que o paciente toma apenas um fármaco? Os resultados são apenas
reações químicas? Na verdade, naquele grão medicinal vai um conglomerado de
elementos químicos e grossos pedaços das almas do terapeuta e do esperançoso
paciente.
Marcos Creder
Marcos Creder
Um comentário:
Essa matéria fala sobre o mesmo assunto:http://revistapiaui.estadao.com.br/edicao-59/questoes-medico-farmacologicas/a-epidemia-de-doenca-mental
Muito interessante.
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