domingo, 6 de maio de 2012

QUANDO A POESIA ENCONTRA A MÚSICA


Em tempos de vacas magras onde o empobrecimento musical nos leva a divas como Ivete Sangalo e Cláudia Leite, eis que chega ao mercado fonográfico uma leve brisa com sabor lírico de maresia. Falo do novo disco de Leonard Cohen, Old Ideas.
                Muitos podem estar se perguntando: afinal quem é Leonard Cohen. Até entendo. Cohen é um poeta e escritor canadense que, já maduro, enveredou pela música tornando-se um dos mais cultuados compositores de sua geração. E que geração é esta? Trata-se da geração “cabeça” dos revolucionários e loucos anos 60. Naquela época vivia-se a chamada “contracultura”, cuja juventude de então em seus ideários contestadores e libertários inovou estilos e deixou marcas profundas em toda cultura e sociedade ocidental. Segundo Wikipédia o movimento contracultural era focado “principalmente nas transformações da consciência, dos valores e do comportamento,na buscca de outros espaços e novos canais de expressão para o indivíduo e pequenas realidades do cotidiano”. Foram tempos verdadeiramente undergrounds e de cultura alternativa. E em meio a tudo isto eis que nos surge Leonard Cohen e seu disco In My Life (1966).
                A carreira do cantor e compositor ofuscou-lhe o escritor que já era desde antes. Em 1961 alcançou a consagração literária com The Spice Box of Earth, segunda coleção de poesias do poeta. Anos bem depois, em 2011, recebeu o prêmio literário Príncipe das Antúrias, concedido pela fundação de mesmo nome na Espanha a pessoas ou instituições que tenham contribuído de maneira notável em várias áreas humanas.
                Músicas como Hallelujah, I’am Your Man e Dance Me To The End of Love fazem parte da trilha Sonora da vida de muitas pessoas. Quantas mulheres já não se encantaram e ainda se encantam com os versos de I’am Your Man na voz lúgubre e rouca, cheia de nicotina e testosterona de Cohen? Não há anima que resista... Permita-me um trecho:
                                                                                “Se você quiser uma amante
Eu farei tudo o que me pedir 
E se você quiser outro tipo de amor
 Eu usarei uma máscara por você
 Se quiser um parceiro,
 Toma a minha mão ou se quiser me derrubar, 
de raiva Aqui estou eu 
Eu sou o teu homem”  

                Leonard Cohen é autor de um livro que pode ser considerado um “livro de geração”(A Brincadeira, relançado recentemente pela Cosac Naify) ao se debruçar sobre as agruras psicológicas e sociais da juventude do seu tempo (ou será de da juventude de todos os tempos?) em começar andar por suas próprias pernas. Como diz Cohen “é fácil exibir uma ferida, as orgulhosas cicatrizes de guerra. O difícil é ter espinhas”.
                Com sua poesia de riqueza e requinte o poeta igualmente leva sua verve às letras musicais e com elas ela canta e conta suas experiências de vida – que não são poucas e nem rasas, principalmente no auge dos seus 77 anos de idade. Seus versos são agudos e às vezes bem diretos e secos como uma flecha, como quando diz: “não tenho futuro/seis que meus dias são poucos/o presente não é tão prazeroso/apenas algumas tarefas a cumprir/pensei que o passado iria sobreviver a mim/mas a escuridão chegou lá também”. Dolorosa sinceridade!
                O retorno de Cohen à música – infelizmente devido a um golpe que sofreu de quem administrava seu fundo financeiro de aposentadoria – deve ser saudado por todos que curtem a sensibilidade da existência além da superficialidade efêmera das máscaras e do cotidiano barato. Sua obra é naturalmente intimista e talvez exatamente por isto sua musicalidade se infiltra em nós sorrateiramente qual veneno de cobra. Impossível a indiferença frente sua voz, seus versos e seu som. Ou se ama, ou se odeia.
                Mestre da poesia cantada, assim como Bob Dylan, Leonard Cohen se analisa como quem dialoga com um alter ego ou com um espelho de dupla face (“adoro conversar com Leonard... ele é um bastardo preguiçoso vivendo dentro de um paletó”). Com seu vozeirão inconfundível este velho poeta vindo do século passado nos trás hoje suas velhas ideias, que de velhas ela só têm a jovialidade de serem permanentes.
                E como se diz por aí “uma imagem vale mais do que mil palavras”. Pois é, bons versos falam mais do que mil letras de músicas de Vander Lee ou até mesmo tudo que foi escrito acima, I’m sorry. Então porque não deixar a poesia falar por si mesma, afinal se há algo mais revelador do que se passa com a alma humana não se encontra nos livros didáticos e acadêmicos de Psicologia ou áreas afins, mas sim na poesia. Se for verdade que “os olhos são a janela da alma” não é menos verdade que a poesia é a própria alma que se expressa e se revela, seja através da escrita, da música, da imagem, da cena, no palco ou na arte. A poesia é a alma transpirada.
                Com vocês um pouco do poeta, compositor e escritor Leonard Cohen, aqui reproduzido em trechos e alguns versos de sua obra:
                                                                       “Poderá existir algo mais vazio                                                                                        que a gaveta onde                                                                                                              costumavas guardar o teu ópio?”
                                                                       (O Estado da Minha Gaveta)

“Fechas os olhos e deixa que se fechem cosidos.
 Provocas um abraço e cais nele.
Há só um momento de dor e de dúvida
quanto te perguntas quantas multidões estão deitadas junto
do teu corpo,
mas uma boca beija e uma mão afasta esse momento”
                                                                       (Tens os amantes)

                                                               “Dance-me até sua beleza com um violino ardente
                                                               Dance-me através do pânico até eu estar em segurança
                                                               Eleve-me como uma oliveira
                                                               e seja a pomba fazendo ninho em mim”

                                                                                  (Dance me To The End Of Love)

Joaquim Cesário de mello

Um comentário:

Alice disse...

As frases dele são maravilhosas. Encantam a alma. mas o comentário dele sobre a velhice entristece. Coisa de poeta que vê mágica em tudo e espera que a vida permaneça como um espetáculo constante? não sei. Mas terminei a leitura com a alma tocada.