Pena que os documentários não
tenham a mesma popularidade que os outros estilos de filmes e, muitas vezes,
alguns deles são exibidos sem sequer passar pelo conhecimento do público, inclusive
do público mais dedicado. Lembro-me que
no passado assisti a um filme que considerei marcante, talvez um dos melhores
que vi : Arquitetura da destruição – um filme
que mostrou todo o tenebroso projeto político, econômico, estético do nazismo. O
documentário parecia escurecer na medida em que passavam as minúcias da
Alemanha dos anos 1930. Interessante que fatos históricos tão recentes
parecem-nos remotos, e muitas vezes se tem a sensação de que documentários são
na verdade outra forma de ficção. Isso poderia ser justificado pela questão puramente
temporal: um fato que nos ocorre há mais de sessenta anos nos será estranho
hoje, e quanto mais cruel, mais tendemos a alongá-lo no tempo. Penso, contudo,
que essa variável do tempo é bastante útil, mas precisamos incluir também o
espaço, aglutiná-lo à história e, naturalmente, à geografia, pois podem haver duas "Berlins" numa só cidade: a Berlim de 1930 e a Berlim de 2011 , assim
como coexistir várias Capitais da Alemanha.
Voltemos para o Brasil citando um outro documentário dos nossos tempos
que trás as assimetrias da vida humana simultâneas no tempo e no espaço: “Lixo extraordinário”.
Com foco
dirigido ao trabalho do artista plástico Vik Muniz numa comunidade de catadores
de lixo no Lixão de Jardim Gamacho, no Rio de Janeiro, o filme surpreende por
inúmeras reflexões sobre função e conceito da arte – incansável discussão, aliás – e, obviamente, sobre a condição de miserabilidade
dos que vivem da atividade de catador. Pensar que, por exemplo, uma pessoa
em meio ao lixo pútrido encontre o livro “O Príncipe” de Maquiavel, leve-o para
casa e depois de secá-lo fazer uma leitura sofisticada com ótimas reflexões e interpretações;
ou fazer reproduções fotográficas de pinturas consagradas usando resíduos dos
dejetos de grandes centros urbanos e daí sair uma boa arte. O filme revira e dá forma ao lixo, mas remexe
de maneira mais sutil naquela velha discussão a respeito do papel da arte, do
artista e da comunidade. Não é pretensão do documentário responder
essas questões, é importante, como fazem os bons filmes, provocar discussões em
cima de suas imagens. Penso que nesse
“falar com imagens” – vocação do cinema – são dadas boas alfinetada em parte da arte
contemporânea. Se nossos artistas procuram sucatear a estética, procuram fazer
do harmônico desarmônico, ou o assimétrico, ou simplesmente cultuam o feio, o
dejeto, o lixo, penso que Vik Muniz e a diretora Lucy Walker quiseram mostrar
exatamente o oposto, resgatando em meio aos entulhos contemporâneos e os dejetos
urbanos, uma tradição artística que ainda cultua o belo na arte. E não só o
belo, mas a função expressiva de tocar o observador com um mosaico de imagens
faladas. “Lixo extraordinário” traz fragmentos de biografias que estavam
prestes a serem atiradas literalmente ao lixo e faz da arte um movimento que
trás de volta a dignidade de pessoas anônimas, dando face a esses seres
humanos.
Marcos Creder
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