sexta-feira, 18 de setembro de 2020

ZEITGEIST

Zeitgeist: Você sabe o que é o espírito do tempo? - Universo Retrô


Toda época tem seu clima intelectual-social-cultural. Tal composto é conhecido como o "espírito do tempo", que em alemão se escreve Zeitgeist. Metaforicamente é como a trilha sonora de uma época, cujas composições são constituídas por um motivo musical condutor que se repete como se fosse uma frase recorrente (Leitmotiv). O Zeitgeist são as características de um determinado período temporal psicossocial. É o sinal dos tempos. E que tempo é este que hoje vivemos? Qual é o espírito dos dias em que se escorre nossas vidas miúdas?


Atenção ao Zeitgeist – Implantando Marketing | Implantando Marketing é um  espaço para compartilharmos experiências e informações sobre marketing.Seja por onde se queira entender o espírito dessa atual época um decididamente aspecto se destaca e tem proeminência: a intolerância. De onde vem ou surge esse espírito de incompreensão, sectarismo e inclemência? Ou será que o Zeitgeist atual é como um sopro de vento que descortinou o que jazia por debaixo dos panos há decênios e que o bafo quente dos tempos que se seguem reergueu à luz dos dias?

Zeitgeist. Um ponto de vista cientifico. - GGN

A intolerância parece ter sempre existido ao longo da história de Humanidade. Na balança do eu e o nós, para ficar numa expressão do sociólogo alemão Nobert Elias (1897 - 1990), autor de importantes obras como O Processo Civilizatório e A Sociedade dos Indivíduos, os extremos podem ser assim definidos: o eu-sem-nós e o nós-sem-eu, ou seja, o eu narcísico, egoísta e não empático, e a massa de eus onde o que predomina é o pensamento único coletivizado em um grupo igualmente narcísico, egoísta e não empático. Empatia aqui está na capacidade de compreender o outro que pensa diferente do mim ou do nós. Ser empático com quem pensa, sente e age semelhantemente não é ser empático, é apenas se olhar no espelho. Em ambos os lados radicais da balança o que temos são preconceitos, estreiteza mental, intenso apego a um sistema de valores considerado único e inquestionável, agressividade tendente ao ódio, completo desprezo ao diferente, intolerância profunda e enérgica com quem não compartilha com suas práticas, visão de mundo e ideologia, bem como extrema crueldade com o que lhe é (ou lhes são) dessemelhante. 
O que significa a frase O homem é o lobo do homem? - Quora

Mas de onde vem tamanha ojeriza e repulsa com o diferente? De onde brota esse desmedido ódio que nos faz execrar e maldizer o desigual apenas porque o mesmo não me é/nós é coincidente? Para o filósofo inglês Thomas Hobbes (1588 - 1679) "o homem é o lobo do homem", isto é, somos naturalmente egoístas e maus, cabendo, pois, à sociedade regular e regrar isso. Os pensadores dos séculos XVII e XVIII (destacadamente Hobbes, Locke e Rousseau) chamaram esse isso de Contrato Social. Todavia, autoproclamados civilizados, parece que nunca deixamos de ver o outro como um lobo que nos ameaça, mesmo que seus dentes sejam tão somente idéias, pensamentos, valores, gestos ou palavras. Vide os livros e culturas pelo Império Romano, bem como as mulheres queimadas entre os séculos XV, XVI e XVII acusadas de bruxas. Vide também a perseguição e o extermínio de judeus no final da primeira metade do século XX em pleno coração da Europa, assim como o sectarismo radical do Macarthismo na década de 50 em plena democracia americana. Vide o massacre de armênios pelo governo otomano entre 1915-1923, do grupo étnico tutsis em Ruanda em 1994, ou o genocídio ocorrido na Bósnia entre os anos de 1992-1995 em nome de uma chamada "limpeza étnica". Xenofobias, misoginias, homofobias, racismo, sexismo, fundamentalismo religioso, político, moral... Quanto mais complexa e plural for uma sociedade, mais ela será composta como um universo de desiguais e, embora se legisle que "somos todos iguais perante à Lei", mais parece predominar a intolerância àquele ou àqueles que pensam ou sentem desigualmente a hegemonia prevalente da maioria ou da época (zeitgeist). 

Por que as pessoas estão cada vez mais fanáticas? - Edição do BrasilNa balança do Eu e do Nós Eliasiana podemos também afirmar que hoje vivemos um era do Nós-eu versus o Nós-não, ou seja, ou se pensa e se comporta como meu grupo (Nós) - como se esse Nós fossem uma unicidade egóica - ou você(s) é(são) o errado, oanti-ético,  o imoral,  o incorreto, o condenável, o impróprio, o reprovável, o indecente, o indigno e o censurável. Decididamente vivemos sob o zeitgeist do fanaticus (termo latino para "lugar sagrado"), até mesmo para seitas e religiões sem deuses ou nada de divinos. Como disse Nobert Elias, os traços da identidade grupal constituem um habitus social encravado profundamente na estrutura da personalidade de cada indivíduo. O indivíduo coletivizado se acha o detentor do certo e da verdade, e aí de quem pensa o  contrário.
Como aceitamos o diferente? - A Mente é Maravilhosa
Certa vez escrevi que não era eu que era diferente dos outros, mas os outros que eram diferentes de mim. Não importa. O que importa é como o diferente lida, convive e dialoga com seu diferente. Hoje, não se dialoga. Hoje, esquecemos que "quem dentre vós não tiver pecado que atire a primeira pedra" (Jo 8,1-11). E aja pedra pra atirar. 


Ou, como já afirmou certa vez o filósofo francês Jean-Paul Sartre (1905 - 1980), "o inferno são os outros". 


Joaquim Cesário de Mello

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