quarta-feira, 9 de setembro de 2020

DA MENTE AO DISCURSO E DO DISCURSO À MENTE



Uma mente humana se revela ao mundo externo através da comunicação, seja ela verbal e/ou não verbal. O mesmo acontece, inevitavelmente, nas relações psicoterápicas que são, por excelência uma relação de ajuda por meios psicológicos comunicacionais entre paciente e terapeuta. O material clínico, portanto, é essencialmente discursivo, isto é, os estados e processos mentais do cliente emergem no seio do diálogo e da relação entre este o seu outro (terapeuta). Mediante, pois, a conversação, muito da estrutura dinâmica da personalidade e seus significados são transmitidos. Isto é hoje tão claro que alguém já disse que a psicoterapia é um processo de "transformação do discurso". 

A linguagem - como um sistema de significados - é um campo para a reflexividade tanto intra quanto interpessoal. A pessoa humana é um narrador de si, e tais narrativas são resultados de um processo de significados que estão contidos nas histórias narradas. O self de cada um de nós se constrói a partir de histórias de nosso passado narrado vividas em múltiplos contextos de nossa construção como personalidade e pessoa. O reconhecimento que o sujeito tem de si (self), isto é, a consciência de si mesmo, construiu-se e ainda continua se construindo nas transações interpessoais e por meio de uma trama de afetos e significados. Somos, humanamente falando, grandes contadores de histórias ou, parafraseando Raul Seixas, uma verdadeira autobiografia ambulante. 



E o que ou sobre o que nos relata o paciente? Sobre si, sua vida, seu mundo, seus problemas e sobre as pessoas com quem convive. O mundo fenomênico é o mundo que existe no psiquismo da pessoa. O mundo e a vida em que a pessoa vive não é exatamente o mundo e a vida que ele relata. A vida e o mundo relatado é o experienciado por ela e modificado pelas suas perspectivas, sentimentos, fantasias e interpretações.

A forma como interpretamos a vida e como a significamos é a força motriz psicológica da nossas maneira de sentir e agir. Em termos gerais, uma mudança mental provoca correlativamente em alterações atitudinais. O conhecimento que temos de nós próprios e do mundo em geral é menos uma realidade em si mesma e mais uma versão dela, embora frequentemente tomemos a versão pela realidade. É um modo de organização das experiências pessoais, e tal organização ou construção de significados que um sujeito realiza ao longo da vida pode estar trazendo-lhe ou gerando-o sofrimento. O escritor argentino Ernesto Sábato já dizia que a verdade pode ser perfeita para a matemática e a química, mas para a vida, afirma Sábato,"contam mais a ilusão, a imaginação, o desejo, a esperança".

"Pensar é respirar porque pensamento e vida não são universos separados, mas vasos comunicantes: isto é aquilo", escreveu certa vez Octávio Paz, prêmio Nobel de Literatura de 1990. O indivíduo vive constantemente mergulhado em um campo fenomenal, se ficarmos nos dizeres rogerianos. O Eu de todos nós é incapaz de abarcar por completo o campo vital em que vive o conjunto de suas experiências, inclusive as pensadas e as não pensadas. O campo fenomenal é o campo da experiência, nele tudo que nele há e tudo que nele passa pode estar à disposição do indivíduo (o campo da experiência é único para cada pessoa). Nele há eventos, sensações e percepções que o sujeito não se dá conta, isto é, não tem consciência dos mesmos, mas que se melhor focasse ou melhor prestasse atenção deles tomaria consciência. E é sobre o melhor se apropriar de seu campo fenomenal que se insere muitas das abordagens psicoterápicas.
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Partamos do seguinte princípio: quem melhor pode conhecer a vida de uma pessoa senão ela mesma. Cada um é especialista sobre si. Como tal sujeito vive a vida e a experimenta, age e se lembra está bastante relacionado com a interpretação e o significado que ele dá aos fatos e aos eventos. Podemos dizer até que nos organizamos como pessoa a partir e em torno desse fatos/eventos e do significado a eles dados. E o que faz geralmente o cliente frente a seu terapeuta: relata e se relata, narra sobre si e sua vida e seus problemas. Centremos, pois, no discurso que se constrói ou se reproduz.

continua

Joaquim Cesario de Mello

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