terça-feira, 24 de março de 2020

DIÁRIO DE AULA - CLINICA I - ALIANÇA TERAPEUTICA


Bruna Soares

Não existe relação terapêutica se não houver uma aliança terapêutica (AT) entre o cliente/paciente e o psicoterapeuta. É necessário que ambos estejam engajados na tarefa psicoterápica. Afinal, não basta alguém ir para um profissional (psicoterapeuta) e este aceitar recebê-lo. É preciso, pois criar um VÍNCULO de trabalho entre ambos. A AT é, portanto, a capacidade de estabelecer uma relação de trabalho entre a dupla, e é a base do processo psicoterápico.

A AT é considerada como a base do tratamento porque, a partir da postura de acolhimento e escuta atenta do terapeuta, o mesmo oferece um clima de confiança e respeito. Sentir-se compreendido é condição essencial para que o paciente continue seu tratamento.

Se ficarmos no resumo acima, iremos acreditar que as coisas parecem fáceis. Basta ser acolhedor e respeitoso, bem como o cliente se sentir compreendido, que tudo vai correr à mil maravilhas. Cuidado, nem sempre é assim.

Tudo seria simples e descomplicado se o ser humano não fosse naturalmente um ser de paradoxos e conflitos.

Lembrem-se, a condição sine qua non para existir de fato uma psicoterapia é, por parte do cliente/paciente, haver uma percepção subjetiva de estado de sofrimento. Não se procura terapia porque se está feliz, bem resolvido, tranquilo, e bem com a vida e as pessoas. De jeito algum!!!!! Procura-se uma ajuda psicoterápica porque existe na pessoa aflição, desgosto, preocupação, ansiedade, tristeza, angústia, enfim, algum sofrimento de ordem subjetiva.
Todavia, a mente humana é escapista, ou seja, funciona no que convencionamos chamar PRINCÍPIO DO PRAZER-DESPRAZER, isto é, busca prazer e evitar dor. É exatamente essa qualidade psíquica que faz com que a psique humana manifeste, em algum momento, do processo psicoterápico, RESISTÊNCIA. E por que isso?
Lembrem-se que quando uma psicoterapia tem caráter exploratório, isto é, voltada ao INSIGHT, ela vai mexer com coisas que vão incomodar a mente, como feridas antigas na alma, por exemplo. Nem sempre queremos ver certas coisas em nós, pois isso dói. Então, o psiquismo tenderá a evitar ou fugir do que vai lhe gerar esforço, incômodo, desconforto.

Pelo acima exposto, é interessante pensarmos o tema pelo ângulo proposto por RICHARD STERBA em ao final da década de 30. Em um pequeno artigo intitulado QUAL O DESTINO DO EGO EM ANÁLISE? (análise aqui deve ser pensado, inclusive, em termo de auto-observação e auto investigação, isto é, um EU que se reflete e se pensa0, o autor mesmo responder: DIVIDIR-SE EM DOIS. Para tal ele cunhou o conceito de CISAO TERAPEUTICA DE EGO. Como assim?, vejamos:

Observem o seguinte trecho deste poema de FERNANDO PESSOA:

Brincava a criança
Com um carro de bois.
Sentiu-se brincando
E disse, eu sou dois!

Há um a brincar
E há outro a saber,
Um vê-me a brincar
E outro vê-me a ver.

Pois é. Quando uma pessoa procura uma psicoterapia ele vem relatando suas vivências e experiências (STERBA denominou de EFO ANALÍTICO). Por outro lado, o terapeuta tem uma postura investigativa, questionante, ou seja, de analisar com o paciente suas próprias experiências, vivências, sentimentos, pensamentos e comportamentos. Isso vai levar o paciente a melhor se auto-observar, ou seja, ele passa a ser, além de um EGO VIVENCIAL, a ser também um EGO ANALÍTICO, pois ele começa a se analisar por detrás de suas experiências, sensações, pensamentos, comportamentos e sentimentos. Daí a expressão CISÃO TERAPEUTICA DE EGO: um EGO inicialmente somente VIVENCIAL, sendo agora dois: EGO VIVENCIAL e EGO ANALÍTICO.

Empatia no processo de relação terapêutica


Lembrem—se a auto-observação (analisar a si mesmo) coloca o 
EGO pensante (consciente) frente aos mecanismo psíquicos (geralmente inconsciente a esse mesmo EGO) de defesa e resistência. É avançando sobre essas defesas e resistências que o EGO do cliente/paciente melhora, cresce, amadurece. Trata-se de um paradoxo:  para se deixar de sofrer, há de se sofrer um pouco mais (avançar sobre o que está por debaixo de muitas coisas e que a mente não quer ver, pois vai mexer em coisas que lhe farão se incomodar).

É como se o cliente/paciente colocasse o terapeuta (sua função de analisar) dentro de si. E é isso mesmo que acontece, graças a um fenômeno psíquico conhecido como IDENTIFICAÇÃO.
Observem o resto do poema acima:

Estou por trás de mim
Mas se volto a cabeça
Não era o que eu queria
A volta só é essa...

O outro menino
Não tem pés nem mãos
Nem é pequenino
Não tem mãe ou irmãos.

E havia comigo
Por trás de onde eu estou,
Mas se volto a cabeça
Já não sei o que sou.

E o tal que eu cá tenho
E sente comigo,
Nem pai, nem padrinho,
Nem corpo ou amigo.

Tem alma cá dentro
Está a ver-me sem ver,
E o carro de bois
Começa a parecer.

Olhem esse vídeo sob nova perspectiva:





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