domingo, 20 de janeiro de 2019

PALAVRAS MUDAM O MUNDO


              



     
       Em um antigo texto postado O PODER DAS PALAVRAS encerrei com a seguinte colocação de Aldous Huxley: “as palavras formam os fios com os quais tecemos nossas experiências”.
                Segundo o Empirismo as experiências são formadoras das ideias e dos pensamentos. Ou como acreditava Locke o processo do conhecimento, do saber e do agir, é aprendido mediante as experiências. Entretanto, sem unilateralizar o assunto, o oposto também pode ser verdadeiro, isto é, as palavras com as quais damos significado e a maneira como pensamos as situações e os estímulos moldam nossa forma de agir e reagir, ou, como disse Huxley acima, tecem as nossas experiências.
                O que convencionamos chamar de “natureza humana” se baseia e se funda na linguagem. A ontologia do humano é feita pela linguagem, pra a linguagem e com a linguagem. A linguagem é um essencial instrumento a serviço do homem que a faz uso a fim de se comunicar consigo mesmo, com seus semelhantes e de entender o estado das coisas e do mundo. Com as palavras nos abrimos tanto para fora de nós quanto para dentro.
                O homem pertence à linguagem, já refletia Heidegger. A linguagem é mais do que a capacidade que tem o animal racional de falar e de escutar, mas é principalmente o modo como ele se manifesta no mundo e na vida, é o próprio existir humano.
Resultado de imagem para cosmovisão                Nossa visão do mundo (cosmovisão) e de nós mesmos (autoimagem) são construídas com os tijolos das palavras cimentadas pelas ideias e pensamentos. Nossas palavras se tornam ações e as ações, com o tempo, inclusive se transformam em hábitos e os hábitos tecem nosso caráter e personalidade. A personalidade de um indivíduo não é o Ser em-si-mesmo, mas o Ser frente-ao-mundo. Melhor dizendo, nossa personalidade é a maneira com que o Ser de cada um de nós se manifesta frente à vida e as coisas. Somos todos nós – seres humanos racionais – um verdadeiro discurso ambulante. Toda nossa compreensão que temos de nós mesmos, das demais pessoas, dos objetos e do mundo como um todo é, em resumo, consequência de uma articulação subjetiva significativa. Lembremos que um signo linguístico é uma coisa que é usada em lugar de outra coisa. Dentro da perspectiva da Linguística, sendo a língua um código, os signos são, portanto, responsáveis pela representação da ideias e dos pensamentos. Os signos são as palavras que, por meio da fala (externa e interna) ou da escrita e do gesto, se associam às ideias. As palavras, ou melhor os signos, são unidades portadoras de sentido.
Resultado de imagem para fenomenologiaO horizonte do nosso ser é até onde minha mente, com suas palavras, ideias e pensamentos, concebe e alcança. Do ponto de vista da existência fenomenológica podemos nos arvorar dizer que enquanto vivo estamos somos um “ser-do-mundo”, ao mesmo tempo em que enquanto pensantes somo um “ser-no-mundo”. Não somos tão somente um objeto a mais pela a vida, somos uma subjetividade perambulante que dá circundante significâncias e significados. A realidade apenas é, mas para nós é um aparecimento subjetivo.
        Criamos, assim, o mundo que é a nossa representação da realidade. Analogamente fazemos a mesma coisa com o conhecimento a respeito da nossa própria existência. Em termos de conhecimento cognitivo podemos dizer que tanto o Ser quanto o mundo são anteriores ao conhecimento do Ser-em-si-mesmo e do Ser-no-mundo. Tanto  o Eu que nos habita quanto o mundo que nos circunda são objetos subjetivamente pensáveis. Porém, lembremo-nos, como bem afirma o filósofo alemão Schelling, o Ser não existe porque o pensamento existe, mas o pensamento existe porque o Ser existe.
                   


                                       Claro e evidente que só falar, embora possa ter lá seus efeitos terapêuticos, não é psicoterapia, afinal psicoterapia é um método de trabalho clínico que busca ajudar o outro por meio da utilização de técnicas e recursos baseados em premissas teóricas e científicas. Mas seja qual método, técnica, teoria, abordagem ou manejo empregados, estará sempre lá a fala. Falando e sendo escutado a pessoa do paciente abre espaço para uma melhor tomada de consciência de si mesmo e assim descobrir o que está ele fazendo com sua vida e que rumos ela está tomando e seguindo. Se vendo, se pensando, refletindo-se, o paciente possibilita-se a ficar mais apto por responsabilizar-se, isto é, deixar de ser tanto vítima e de culpar os outros, a vida e o destino para reconhecer-se como coparticipe de seus próprios problemas. E não é se culpando que se busca soluções e modificações, mas sim se responsabilizando, pois responsabilizar-se é o importante passo para mudar.

            Certa vez escrevi em meu livro DIALÉTICA TERAPÊUTICA (2003) o seguinte trecho: 

o Eu é concebido como uma entidade narrativa e o discurso produzido pelo sujeito em psicoterapia não é um texto pronto e acabado à espera de vir a ser tão somente interpretado, mas sim um processo em desenvolvimento e evolução. Em psicoterapia o terapeuta ao buscar estar atento ao não-dito no discurso do cliente oferece a este uma ótica diferente produzida por suas reflexões, questionamentos, hipóteses e interpretações. Desse modo, a leitura e a imagem diferentes que faz o terapeuta sobre o discurso e a autoimagem do paciente não tem o intuito de sobrepor-se ou substituir a própria leitura que faz o cliente de sua história, do seu mundo e do seus problemas. Ao contrário, a diferença entre o que é dito pelo paciente e o que não é dito e escutado pela terapeuta gera o potencial para o surgimento de uma nova compreensão e o desenvolvimento de uma nova narrativa. Esta nova narrativa e o novo entendimento não é nem a leitura do terapeuta nem a autoleitura do cliente: é simplesmente uma nova história que pode ser considerada como já existente, apenas até então não divisada e descoberta”.
    Todos nós carregamos uma leitura pessoal de si e do mundo, expressa através de palavras, ideias, pensamentos e imagens. Este conjunto, esta leitura, compõe tanto a autoimagem como a cosmovisão do sujeito. São as nossas histórias, nossas interpretações, nossos textos pessoais, nossa narrativa. Embora não possamos mudar a realidade nem nosso passado, podemos mudar a nossa leitura sobre ambos. Uma nova visão de si, do mundo e da vida, uma nova releitura sobre quem somos e o que nos cerca, transforma-nos não em uma outra pessoa, mas em uma pessoa com nova maneira de se ver e lidar com a vida.
        O ser humano é um ser que fala, um ser de linguagem. É pela linguagem que pensamos como hoje pensamos, e é também pela linguagem que nos afirmamos como sujeito e nos comunicamos e expressamos nossas ideias e emoções. As palavras, a fala, são inseparáveis do ser humano; é como elas que modelos os pensamentos e os sentimentos. É como elas que agimos como agimos. Com a linguagem cria o homem sua existência e seu ser. Com elas ele se conhece e se imagina, sofre, se entristece, se alegra, espera e sonha, deseja e sente. O homem, humanamente falando, vive e respira linguagem, pois é através do universo simbólico que ingressamos no mundo humano. Por isto o nascimento psicológico vem depois do biológico. O pensamento linguístico, pois, é a semente que gera a árvore que chamamos de ser humano.
 E para não encerrarmos o texto (feito de palavras, notou?) com uma ligeira impressão quase metafísica, pesquisas atuais feita através de neuroimagens funcionais (fotografia do fluxo sanguíneo no cérebro) demonstram que terapias realizadas mediante o uso de palavras e da fala causam efeitos permanentes no sistema de aprendizagem, na memória e no processamento cerebral das emoções. Com maior ativação no córtex pré-frontal, alteração as redes neurais. E com isto o cérebro muda, nós mudamos, nossa vida muda, nossas maneiras e formas de lidar com os problemas e os obstáculos inerentes à própria existência mudam. O que não muda é a realidade, pois ela somente é. 


Joaquim Cesário de Mello
                

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