domingo, 16 de julho de 2017

A PRIMEIRA IDADE DA ÚLTIMA IDADE

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Inicio a velhice com olhar tranquilo. Não encontrei o cansaço que tanto me amedrontava o chegar aqui. Talvez ainda não seja seu tempo. Fatiamos o tempo em retalhos de épocas e fases. Diferenciamos o ontem do hoje e desigualamos o agora do que vem a seguir. Vivemos a vida como se vários fossemos. Cada dia é o mesmo dia para os relógios, como já dizia Pessoa, mas para cada um de nós um dia é um outro dia separado dos dias que o antecederam e dos dias que possivelmente o sucederão. Convencionamos dizer que temos tantos anos de vida. Eu, por minha vez, digo que tenho alguns poucos milhares de minutos, pois de fato o que possuo, ou penso até então possuir, é os minutos escondidos nas horas embutidas nos dias que ainda me sobram. Os dias que em mim passaram, ou melhor, os dias por onde passei, já não mais me pertencem; são propriedades da memória e do esquecimento. 
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Ninguém descansa no tempo em que está vivo, pois só repousaremos do tempo no escuro interminável das sepulturas e dos jazigos. É preciso viver o hoje como se ele fosse para sempre, porque para sempre é o depois do morrer que nos espera. Lá, quando não mais existirmos, outros existirão, amarão, sofrerão, sentirão, sonharão, frustra-se-ão, assim como presentemente nos cabe também. Neste instante, pois, em que envelheço milhões de outros igualmente. E tantos outros estão nascendo, enquanto outros descobrem a sofreguidão das primeiras paixões. Uns estão casando e vários se divorciando. Alguns estão aspirando futuros, ao mesmo tempo em que semelhantes quantidades são viúvos do passado e órfãos de sonhos inconsumados. Do mais recente bebê no mundo ao mais ancião de todos, eis que estamos envelhecendo. Morrer, portanto, não é destino de quem vive, mas fatalidade de quem envelhece. Não se fenece antes de ser velho, porém desvive-se primeiro do que ser antigo, pois se longevo é um velho, breve se é a vida. 
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Não perturbarei meus mortos com lágrimas, mas tocarei meus vivos com carícias. Cada gentileza, sorriso e tolerância que posso expressar será um leve resíduo nas lembranças das reminiscências de quem me sobreviver. Quero a nostalgia saudosa e querida dos que de mim continuarão, ao invés das mágoas e rancores machucantes dos desgostos que posso legar Que meus minguados herdeiros possam ainda ter de mim o melhor de mim que ainda não fui ou consegui ser. 
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Ainda há uma estrada a trilhar. Não sei de quantos metros ou quilômetros ela é feita, talvez até melhor não saber, afinal o mais importante que o final e a chegada é a jornada. Se hoje encontro-me longe do menino que um dia fui mais próximo estou do velho que um dia desencarnarei. Não temo morrer, pois morro todos os dias nos meus presentes. Temo é deixar de viver, mesmo que viver tenha-me sido um acumular de desassossegos e incertezas. Aproveitar cada milímetro da estrada e apreciar cada pequeno canto e recanto da paisagem é agora meu destino e sorte. 
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Não sei quando chegarei lá, só sei que chegarei. Enquanto isso espero, respiro, suspiro, sorrio, choro e... vivo. Uma existência sem emoções é só tédio e agastamento. Celebro, pois, todos os instantes antes do derradeiro. Como diz Florbela Espanca "da vida tenho o mel e tenho os travos". Mergulho nos minutos e sinto o pulsar da minha presença que aos poucos está se indo. 
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Para onde vou depois daqui, não sei. Provavelmente para o nada. Não sei. Deixo pra posteriormente pensar nisso. Por enquanto vou vivendo. Conversando cada vez mais comigo em uma solidão que vai aos poucos me cercando. Observo os detalhes do hoje que serão lembranças em minha memória amanhã. Comungo com Herman Hess, mantendo em aberto minha memória, pois tudo que me é breve e transitório nela não se perde.


Joaquim Cesário de Mello

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