domingo, 21 de agosto de 2016

Excesso de Humanidade

Quando se assiste aos atos de errância da humanidade, que geralmente estão embevecido de violência, ouve-se como contraponto da parte dos religiosos e/ou dos indignados: "isso é falta de Deus", como se a religião fosse uma espécie de vacina, ou um código de leis, contra a atrocidade dos seres humanos e confirmasse a frase de  Dostoiévsky: "se Deus não existe, tudo é permitido". De fato, a religião pode ter tentado, eventualmente, conter um ou outro excesso no vício da violência, mas muitas vezes sob o argumento de usar o "nome de Deus" , já se cometeu  muitos crimes tão graves quantos os destemidos e descrentes. Basta, para isso, citar alguns exemplos de ataques terroristas por parte de um segmento de muçulmanos. Há aquele argumento de ocasião - pois geralmente são lembrados em acontecimentos trágicos - de que existem religiões boas e religiões más, religiões evoluídas ou atrasadas, religiões tolerantes ou intolerantes. Haveria de fato esses dois continentes de crenças? Ao ler o livro "Campos de Sangue: Religião e a História da Violência" da historiadora e professora de literatura, Karen Armstrong, posso hoje questionar se de fato existem religiões do bem ou do mal. o livro é um extenso trabalho que vão desde a visão religiosa pré-histórica aos tempos atuais, inclusive, em se tratando da pré-história, a autora partilha de ideias semelhantes as  de Yuval Harari em "Sapiens" que põe a religião não só como uma questão humana, mas, por centenas de anos uma necessidade sobrevivente de nossa existência. Sem religião  ou a ideia de  Deus, dificilmente se manteria o padrão de coesão da sociedade agrária que suplantou a dos pequenos grupos de caçadores-coletores. A existência de Deus, mesmo que perversamente manipulada entre os líderes  e governantes, permitiu com que os grupos sociais tolerassem as faltas e transcendessem seus desejos.


A escassez de recursos naturais  parece maior para a condição humana que para os outros animais, somos menos adaptados à natureza, necessitamos transformá-la e formar organizações baseadas em crenças religiosas para nos gratificar. Hoje talvez nossas crenças tenham em parte migrado para outros mitos: o mito científico e o mito de coesão social. Mito de coesão social?  são crenças que se desenvolvem nas relações humanas a partir de ideais pseudofamiliares, o mundo corporativo está cheio dessas crenças. Acreditar que o sujeito faz a empresa, ou que é parte indispensável de um grupo empresarial, ou que o crescimento da empresa  é também o seu crescimento é exemplo disso. Assim como as religiões, as corporações prometem um mundo melhor no futuro, o que nem sempre ocorre.

Karen Amstrong faz uma detalhada incursão nas principais religiões do mundo que vão desde as religiões orientais às de tradição  abraâmicas - provinda do mito de Abraão -   que se dividiu em judaísmo, cristianismo e islamismo. Embora vivenciamos hoje um radicalismo expressivo no Islã, em outros momentos da história de todas  - todas mesmo -  religiões, sem exceção, já tiveram seus momentos de atrocidades, mesmo que de início se tenha propagandeado a ideia da tolerância e do bem comum. Aqui, inclui-se as religiões orientais, que em geral são sinônimos de tolerância e de sabedoria - aliás, toda religião traz seu saber que influencia sobremaneira alguns pensamentos filosóficos.  Karen Armstrong, assim como outros historiadores, dá destaque aos atos de violência sob o Nome de Deus, às religiões que estão aglutinadas ao Estado, ao poder político e a aristocracia.
o livro é extenso, minucioso e detalhado, daqueles que se  pensa que não terá fôlego ou  conhecimento suficientes para acompanhá-lo até o final. A grande surpresa, no entanto, é a maneira agradável em que a historiadora narra os acontecimentos e faz suas análises sem fazê-lo cansativo. Ao lê-lo refaço a frase: um ato de violência não é por falta de Deus e independe disso Um ato de violência é um ato humano em demasia.

Marcos Creder

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